No final dos anos 90, quando eu morei por alguns meses em Jerusalém, havia pedintes diariamente nos portões de Jerusalém, estendendo as suas mãos. Para mim, eles todos aparentavam o que um pedinte deveria aparentar – emblemas da miséria ao lado da rua, tomando o que você colocasse em suas mãos e acenando a cabeça em agradecimento. Em uma ocasião, um amigo e eu passamos por uns pedintes que estavam próximos a um dos portões da cidade, quando, de repente, nós ouvimos um celular tocar, e um “pedinte” pulou e, para fora da sua bolsa desbotada, puxou seu telefone celular e se afastou para poder atendê-lo. Meu amigo e eu saímos do caminho, pasmos, observando-o. O comportamento do “pedinte” mudou completamente. Ele começou a discutir com alguém no telefone e logo deixou o local pegando um táxi. Fiquei estupefato até que o meu amigo me explicou que existem alguns vigaristas que vivem as suas vidas normais em seus apartamentos e que se vestem de pedintes simplesmente para tirar proveito. Ao contrário do pedinte que eu vi, a mulher que nós encontramos no nosso texto era uma verdadeira pedinte que obteve um grande e gracioso milagre, isto é, a cura da sua filha possessa por um demônio.
Uma Suplicante Necessitada
Em nossa passagem, Cristo estava perto do fim do Seu ministério Galileu. Ele tinha ensinado muitas coisas e feito muitos milagres, e a hora estava se aproximando rapidamente em que Ele deixaria a Galiléia para ir a Jerusalém. E a oposição contra Ele estava aumentando também, ao ponto dele determinar a sua retirada para o extremo norte da Terra prometida, para a região de Tiro e Sidom. Esta área era o lar de muitos dos Cananeus originais os quais Israel havia sido ordenada a expulsar da região. Deus havia muitas vezes enviando julgamento e maldições aos Cananeus devido as suas iniquidades.
A região de Tiro e Sidom, entretanto, tinha desfrutado de algumas provas de benevolência no passado. Nos dias do rei Davi, o rei de Tiro, Hirão, fez aliança com Davi, e providenciou madeira dos bosques desta área para construção do templo. Uma vez, durante uma fome, Elias esteve na região e miraculosamente providenciou azeite e alimento a uma mulher viúva e seu filho para mantê-los vivos.
Agora nos dias de Jesus havia outra mulher lá que precisava de ajuda. Nós lemos que essa mulher Cananéia veio chorando a Jesus, dizendo repetidamente, “Ó Senhor, Filho de Davi: minha filha está horrivelmente endemoniada” (ver Mat. 15:22). Essa mulher abandonada e imunda estava com o diabo respirando no seu pescoço, por assim dizer. Ele tinha a filha dela nas suas garras.
Observe que ela chamou Jesus de “o filho de Davi.” Ela provavelmente não sabia a passagem, mas o Velho Testamento havia profetizado que o Filho de Davi “acode ao necessitado que clama e também ao aflito e ao desvalido” (Sl. 72:12). Claramente, esta mulher havia ouvido sobre o Cristo. Sem dúvidas, ela havia ouvido sobre muitas pessoas que haviam sido trazidas a Ele para serem curadas, e que Ele curou todas, inclusive as pessoas que estavam possessas por demônios. Talvez ela até tenha ouvido sobre quando uma vez Ele falou sobre o seu país, quando Ele advertiu Corazim e Betesaida: “Será mais tolerante com Tiro e Sidom… do que com vós outras… porque se em Tiro e Sidom se tivessem operados os milagres… que em vos se fizeram,… há muito que elas teriam se arrependido com pano de saco e cinza.” (Mat. 11:22).
Claramente, o Espírito Santo a abençoou em tudo aquilo que ela ouviu, pois ela não simplesmente ouviu tudo aquilo como palavras de homens, mas como a palavra de Deus (I Tes. 2:13). Ao mesmo tempo, a sua necessidade era grande. Todos os dias, o diabo a lembrava do seu poder sobre a sua filha. Quem poderia ajudá-la contra uma força tão poderosa?
Um Salvador que prova
Nós lemos sobre uma série de provações que essa mulher necessitada enfrentou em seu caminho para ter a resposta que ela procurava. A primeira foi o silêncio de Jesus. Nós lemos, “Ele, porém, não lhe respondeu palavra” (Mat. 15:23). Seu clamor era tão alto; a boca de Cristo, entretanto, permaneceu fechada. Deve ter sido horrível para ela, que o inferno parecia tão aberto, mas o céu tão fechado – uma filha possessa por demônio em uma mão, e um Salvador silencioso na outra.
A segunda provação dela foi a impaciência dos discípulos de Cristo. Isto deve ter tornado as coisas piores para ela. Eles procuravam a intervenção de Cristo para fazê-la ir embora. “Despede-a, pois, vem clamando atrás de nós” (Mat. 15:23).
A terceira provação foi a repulsa aparente do Salvador. Quando Cristo finalmente a respondeu, Ele disse, “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mat. 15:26). De fato, em geral Cristo havia se limitado àqueles que eram Israelitas. Para a mulher isso deve ter soado como se, caso ela fosse Israelita, Cristo a teria ajudado. Mas infelizmente, ela era uma Cananéia.
O que o Salvador estava fazendo para essa mulher? As Escrituras não falam, ”Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum lançarei fora”(João 6:37)? Certamente, o Senhor não a lançaria fora. Ouça cuidadosamente as palavras do Salvador. Muitas vezes nós interpretamos o silêncio como uma negação e desencorajamento como rejeição total. Todavia, o Salvador onisciente estava colocando-a à prova para evidenciar a tenacidade da sua fé. Ele conhecia a sua fé antes de prová-la, assim como o Senhor conhecia a fé de Abraão antes de prová-lo (ver Gen. 22:1). Não era Ele o autor e consumador desta fé (Heb. 12:2)?
Paradoxalmente, a mulher ficou encorajada, apesar da aparente repulsa do Salvador. Ajoelhando-se perante Ele, ela falou simples e urgentemente: “Senhor, socorre-me” (Mat. 15:25). Que visão simples, mas clara do cerne da verdadeira oração.
Entretanto o Senhor não havia terminado de prová-la. Agora veio a prova final para essa mulher, e indiscutivelmente, a mais severa. Jesus disse, “Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos” (Mat. 15:26). Tomando simplesmente pela aparência, isto era um insulto para a mulher. É como se Ele a estivesse comparando com um cachorro latindo e interrompendo um pai que está tentando alimentar seus filhos.
Foi positivo para sua fé que ela já parecia ter a sua resposta pronta. “Sim, Senhor, porém os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos.” (Mat. 15:27). Se ela tivesse se ofendido com o Senhor tendo-a comparado com um animal impuro, ela teria perdido a benção que o Senhor estava para dar a ela. Mas os seus olhos estavam em uma única coisa: o socorro do Senhor. Ela sabia quão desamparada e desesperada ela estava sem esse socorro. Ser comparada a um cachorro é um elogio quando se sabe que o que você merece é o inferno. Ela estava satisfeita em ser chamada de cachorro. Como Jacó, essa mulher não receberia um não como resposta. Ela sabia que havia vasculhado o mundo inteiro por alimento, mas achou nada que pudesse saciar a sua alma sedenta.
Um Grande Banquete
A vitória da mulher dificilmente poderia ser maior. Não somente a sua filha foi restaurada naquele mesmo instante (v. 28), mas Cristo deu a ela muito mais. Cristo disse a ela: “Faça-se contigo como queres.” (v. 28). Apesar de ela ficar satisfeita com apenas as migalhas, o Salvador coloca todo o tesouro dos céus ao seu dispor. O Senhor pode fazer isto porque, na cruz, Seu corpo foi partido e seu sangue derramado para uma expiação completa. Ele pode expulsar esse demônio porque ele o derrotaria na cruz. Ele poderia dar a essa mulher um grande banquete porque Ele passou fome e sede sob a rejeição do Seu Pai por pecadores como essa mulher. Em outras palavras, Ele se tornou um verme e um “Zé ninguém” para que desamparados como essa mulher pudessem ser aceitos como seus filhos e filhas. Ele assumiu o inferno dela para torná-la herdeira do céu.
Talvez você tenha tido longas noites de silêncio, desânimo atrás de desânimo, ou até mesmo sentiu como se o inferno estivesse soprando em cima de você. Mas, enquanto houver vida, há esperança! Esta é uma pergunta importante: Você concorda com o que o Senhor diz sobre você na Sua Palavra? Você concorda que você é como um cachorro, um leproso, um banido, um rebelde? Seja lá o que Ele falar, concorde com ele rapidamente, de todo o seu coração, para que assim a resposta do Senhor seja a mesma para você como foi para esta mulher: “Faça-te contigo como queres.”.
Perguntas
1. A partir dessa passagem e de outras, que ajuda você pode achar para aqueles que se sentem como se não tivessem as suas orações respondidas?
2. Como a impaciência dos discípulos em relação a essa mulher nos condena acerca de nossa impaciência em momentos em que pessoas não se encaixam em um determinado padrão? O que isso poderia nos dizer sobre a nossa consideração com aqueles que têm necessidades ao nosso redor?
3. Mostre como a curta petição da mulher, “Senhor, socorre-me,” tinha todos os principais componentes de uma verdadeira oração.
4. O que nós aprendemos com essa mulher sobre concordar com o que o Senhor fala sobre nós na Sua Palavra? Por que isso é tão difícil?
5. Cristo tinha acabado de alimentar cinco mil pessoas(Mat. 15:15-21). Há alguma conexão entre o pedido da mulher por migalhas da mesa do Mestre?
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**Esse artigo foi originalmente publicado na revistaThe Banner of Sovereign Grace Truth (Edição online de Abril/2013) , traduzido com permissão do editor.
Dr. Gerald Bilkes é professor de Teologia Bíblica e Novo Testamento no Puritan Reformed Theological Seminary. Ele completou seu doutorado (2002) no Princeton Theological Seminary. Ele era beneficiário de uma bolsa para pesquisa da Agência de Informação dos Estados Unidos no Instituto Albright (ASOR) em Jerusalém durante o ano de 1997-1998. Ele tem escrito vários artigos sobre temas bíblico-teológicos e tem palestrado em várias conferências. Suas áreas de interesse especial incluem hermenêutica, a história da interpretação e conversão na Bíblia. Ele e sua esposa, Michelle, tem cinco filhos: Lauren, Seth, Zachary, Audrey, e Josué.
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** Tradução: Alessandra Brotto