A despeito do claro ensino das Escrituras quanto a proibição do casamento entre crentes e incrédulos (Gn 6.1-3; Ex 34.12-17; Ne 13.23-27; 1Co 7.39), sempre haverá quem argumente da forma como está no título, seja para justificar a escolha de um não crente para o matrimônio – “Mas, e se a parte incrédula for um eleito de Deus e vier a se converter depois? Nunca se sabe, né?” – ou para demonstrar que Deus aprovou a união – “Meu cônjuge se converteu depois de uns anos, comigo deu certo!”.
É preciso considerar essas questões e respondê-las. São procedentes? Cristãos podem se apegar a elas e “arriscar” o relacionamento misto?
Comecemos com o “e se?”. Alguns têm argumentado, a partir da história de Rute, que Deus pode salvar o cônjuge incrédulo. Só para lembrarmos, Rute era a moabita que se casou com um dos filhos da viúva Noemi e cuja bela profissão de fé é usada, inclusive, como versículo de convite de casamento: “Aonde quer que fores, irei eu e, onde quer que pousares, ali pousarei eu; o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus.” (Rt 1.16).
Aqui já temos algumas questões a se considerar. Tudo começa ao se retirar o versículo do seu contexto. A bela afirmação foi feita para a sogra e não para o esposo que, a essa altura, já tinha morrido. Ele sequer viu a conversão acontecer e, há teólogos que até entendem que a razão da morte foi exatamente a desobediência em tomar uma esposa descrente. A segunda questão é que essa não é toda a história. Noemi tinha dois filhos e ambos tomaram esposas moabitas. Após a morte dos dois, Noemi despediu as noras e, ainda que Rute tenha ficado com a sogra, Orfa, que nunca é citada por razões óbvias, voltou para os seus deuses (Rt 1.11-15). O que vemos, portanto, é que o “e se” vale também para a hipótese da não conversão do cônjuge que é o que mais acontece, podendo ser constatado empiricamente.
Entretanto, desconsiderarei essa segunda hipótese, para continuarmos a pensar. Será que se em todos os casamentos mistos acontecesse a conversão da parte incrédula (deu certo!), isso poderia ser tomado como sinal da aprovação de Deus? Deixe-me tentar ilustrar isso com uma história conhecida.
Certa vez o rei Davi, em vez de ir para a batalha com seus soldados, resolveu ficar em seu palácio. Numa tarde, passeando pelo terraço, viu na vizinhança uma mulher muito bonita e se encantou com ela. Mandou perguntar, então, quem era e foi avisado de que era ela a mulher de Urias, um de seus soldados. Ele então pensou: “Eu sei que adultério é pecado, mas, quem sabe não seja propósito de Deus usar um filho que terei com ela para ser o ascendente do Messias?” e, assim, mandou chamar a mulher de Urias e a possuiu.
Antes que você pense que eu endoidei, afirmo que sei exatamente que não foi assim que aconteceu. Apesar de não ter nenhuma dúvida de que era mesmo propósito de Deus que um dos filhos de Davi com Bate-Seba entrasse na linhagem do Messias (perceba que ao registrar a linhagem de Jesus Mateus faz questão de frisar: “Jessé gerou ao rei Davi; e o rei Davi, a Salomão, da que fora mulher de Urias” – Mt 1.6), a razão de Davi ter pecado tomando a esposa do seu próximo, conforme o ensino da Escritura, foi a sua própria cobiça que o atraiu e o seduziu (cf Tg 1.14,15).
Para que não passe pela sua cabeça que isso faz de Davi um inocente, preciso dizer que o fato de estar no plano de Deus que Salomão estivesse na linhagem do Messias não torna o pecado de Davi “menos pecado”, apenas demonstra a ação soberana de um Deus que governa a história e que usa, inclusive, os atos maus dos homens para realizar a sua vontade soberana.
Se você é um leitor atento da Bíblia vai lembrar que era plano de Deus fazer José governador do Egito (Gn 45.8; 50.20,21), mas que foi pecaminosa a atitude dos seus irmãos que, por inveja, o venderam como escravo para o Egito e mentiram a seu pai afirmando que ele havia morrido (Gn 37.4-36). Você deve se lembrar também que foi o próprio Deus que enviou a Assíria para punir o seu povo que estava longe dos seus caminhos usando a maldade do seu governante, mas após cumprir o que desejava castigou “a arrogância do coração do rei da Assíria e a desmedida altivez dos seus olhos” (Is 10.5-15).
Vários exemplos do Senhor usando o pecado dos homens para cumprir seus propósitos poderiam ser citados, mas mencionarei apenas mais um. Era plano de Deus enviar seu Filho ao mundo para morrer em lugar do seu povo, recebendo sobre si a ira do Pai, mas a culpa da morte do Senhor recaiu sobre os homens, como afirmou Pedro em seu sermão: “sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos;” (At 2.23).
Os fatos narrados, portanto, ainda que demonstrem que “deu certo!”, não tornam legítimas as escolhas erradas e pecaminosas que são feitas segundo a nossa cobiça, mas reafirmam a verdade bíblica de um Deus Soberano que dirige a história e cumpre seus planos sempre.
Casamentos mistos sempre serão uma desobediência a Deus, ainda que haja conversão da parte incrédula após o casamento (nesses casos percebemos a misericórdia, apesar do pecado). Mas a essa altura alguns podem questionar: “O que fazer, então, se eu amo alguém que é incrédulo? Não vale a pena arriscar? Ele(a) é uma pessoa tão boa…”.
Minha resposta é simples. Fique amigo dele(a) e sempre que tiver oportunidade evangelize-o(a). Ofereça-se para discipulá-lo(a), convide-o(a) para ir aos cultos e, se um dia ele(a) se converter, case-se. É claro que isso pode demorar dias, meses, anos ou nunca vir a acontecer, mas se você, de fato, o(a) ama tanto como afirma estará dando a maior prova de amor ao se esforçar para apresentar a ele(a) o evangelho redentor. Seu amor resiste ao tempo?
Por fim, mas não menos importante, negando a sua própria vontade (Mt 16.24), você demonstrará que ama em primeiro lugar ao Senhor e que, por amor a ele, irá se submeter à ordem para que não haja casamentos mistos.
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* Esse artigo foi postado originalmente no blog Mente Cativa. Republicado aqui mediante permissão do autor. ** Rev. Milton Jr. é Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Presbiteriano “Rev. José Manoel da Conceição” e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestrando em Teologia pastoral (Aconselhamento) pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, São Paulo-SP. Pastoreia a Igreja Presbiteriana da Praia do Canto desde 2007 e escreve no blog Mente Cativa. Ele é casado com Poliana e pai da Fernandinha e Filipe.