* Esse post é a quarta parte do artigo “A Mulher Puritana”. Para os puritanos, a ligação do matrimônio era considerada “a fonte e raiz principal e original de todas as outras sociedades”. Em outras palavras, se os casamentos não eram bons, como poderia a igreja ou a sociedade ser? Nós vamos considerar a esposa puritana em vários de seus papéis.

 

 

Como Amiga e Companheira

John Angell James escreve que no estado do casamento a esfera de trabalho da mulher é sua família. Em muitas tribos não-civilizadas onde o cristianismo é desconhecido, ele observa, a esposa “é quem trabalha duro, enquanto o marido vive em insolente preguiça”.

O cristianismo verdadeiro, diz James, libera a mulher disso. Os deveres da mulher cristã começam em casa, estando ela no centro, em primeiro lugar depois de seu marido. Numa seção comovente em seu livro Female Piety (Piedade Feminina), James escreve: “Na vida de casada, ela deve ser sua companheira constante, em cuja sociedade ele deve achar alguém que se una a ele mão com mão, olho com olho, lábio com lábio e coração com coração: a quem ele pode desabafar os segredos de um coração pressionado pelos cuidados, ou oprimido por angústias; cuja presença ela tem como prioridade perante toda a sociedade; cuja voz será para ele sua música mais doce; cujo sorriso, sua luz do sol mais brilhante: de quem ele se afastará com pesar, e a cuja conversa ele retornará com pés ansiosos, quando o labor do dia tiver terminado; quem caminhará próximo de seu coração amoroso, e palpitará o pulso de suas afeições quando os braços dela se apoiarem nele e forem pressionados em seu lado. Nos momentos de conversa a sós ele lhe falará de todos os segredos de seu coração; encontrará nela todas as capacitações, todos os estímulos, da mais terna e encarecida sociedade; e em seu gentil sorriso e loquacidade, gozará de tudo que possa ser esperado em quem foi dado por Deus para ser sua companheira e amiga.” Em suma, a esposa puritana foi dirigida para consolar e animar seu marido, aliviar seu fardo compartilhando-o.

Ela também deve ser sua confidente e conselheira. James continua: “Nem ela deve ser negligente em oferecer, nem ele negligente em receber os conselhos de sabedoria que ela possa sugerir com prudência, muito embora ela possa não ter íntima familiaridade com todas as complicações dos negócios deste mundo”.

Alguém pode pensar que os puritanos eram contraditórios em alguns aspectos com relação à influência que a esposa puritana deveria ter. Por um lado, John James admiravelmente cita Adolpe Monod, que escreveu: “A maior influência na terra, seja para bem ou para mal, é possuída pela mulher.” Todavia, qualquer pessoa que pegue qualquer escrito puritano na questão do casamento encontrará duas palavras, submissão e subordinação, literalmente pontuando as páginas. Como é possível ela ser submissa e, todavia, tão influente? Este é um segredo que nossa triste geração precisa extremamente redescobrir.

 

Submissa e Subordinada

Submissão, subordinação: estas são, para a maioria das mulheres hoje, palavras que soam danosas, quando usadas no contexto do casamento. Muitas mulheres ocidentais modernas preferem pensar acerca do casamento em termos de igualdade, cooperação, um time, e expressões como essas. Para os puritanos, e, de fato, de acordo com Ef 5:22ss, quando uma mulher, uma esposa, perde de vista os conceitos fundamentais da submissão e subordinação com respeito a seu marido, isso não é menos herético que se a igreja perdesse de vista sua submissão a Cristo. Apesar da freqüente menção dessas palavras, contudo, os puritanos não equacionavam subordinação à serventia. Uma mulher, funcionando como Deus a designou para funcionar, era considerada um bem poderoso para qualquer marido, família e nação, e uma mulher que conhecia a alegria de fazer a vontade de Deus.

Não cometa erro, os puritanos não eram insensíveis às freqüentes circunstâncias difíceis da mulher. Nem eram eles, mesmo em sua época, privados de críticas à sua insistência no papel submisso da mulher. John Angell James escreveu: “Mas talvez se faça a pergunta se eu trancaria toda mulher casada dentro do círculo doméstico, e, com o ciúme e autoridade de um déspota oriental, a confinaria em sua própria casa; ou se eu a condenaria e a degradaria ao mero trabalho penoso do lar”. Veja você, a mentalidade feminista não está limitada ao século XX, mas tem um pé em todas as gerações desde a queda. James continua a dizer: “Ela, com meu consentimento, nunca afundará saindo do lado de seu marido para ser pisada sob seus pés. Ela não terá um raio de sua glória extinguida, nem será desprovida de uma única honra que pertença a seu sexo; mas ser a instrutora de seus filhos, a companheira de seu marido, e a rainha consorte do estado doméstico não é nenhuma degradação; e ela é degradada apenas para quem pensa assim”.

Embora ele conceda a influência dela tanto na esfera social e entre seus amigos como em sua própria casa, ele adverte que “festas incessantes do prazer e círculos constantes de entretenimento não são a sua missão, mas, sim, contrapor-se e impedir essas coisas.” Não se deve esquecer que a porção do homem puritano na vida era freqüentemente de monotonia, dificuldade e sacrifício. A vida era simplesmente difícil, para toda a família. Eu gostaria de encontrar novamente a brilhante citação de J.I. Packer a este respeito, mas o âmago da questão era que os puritanos não faziam sempre coisas extraordinárias de forma excelente, mas a força deles era que, pela graça de Deus, eles fizeram coisas ordinárias de um modo excelente.

Benjamim Morgan Palmer escreve: “Ao assumir a relação de esposa, uma mulher se rende muito; ainda é uma rendição.” Ele continua dizendo que ela era certamente mais independente antes do casamento, mas voluntariamente abre mão dessa independência em favor das vantagens do casamento, mais do que era compensador por sua perda. Ele escreve: “Comparando os dois, ela deliberadamente escolhe ser menos livre a fim de ser mais feliz, e, por isso, ela se submete… Longe de ser desonrada em sua subordinação, essa é por toda a vida uma consagração conscienciosa de si à condição de sua escolha”. Em adição a isso, Palmer escreve: “A submissão dela é, portanto, uma fonte de honra. Ela não é humilhada com isso, mas exaltada… Não é um sacrifício sem compensação. Ela abre mão da independência, mas adquire controle… Ela acha uma satisfação cheia de descanso em aderir sua confiança, apoiando-a em uma estrutura mais forte que a sua própria”. Palmer continua a dizer que, embora ela ganhe responsabilidade e autoridade ao guiar seu lar, ela não é sobrecarregada normalmente a carregar o peso sozinha. Se seus filhos forem educados de forma apropriada, a sua subordinação como esposa será mais do que compensada quando ela for elevada à “supremacia de rainha como… mãe”.

 

Consoladora e Companheira Íntima

A esposa puritana ideal não era nenhum sargento treinado ou estóica. Ela também não era nenhuma serva ou alguém condenado a levar sempre chá de cadeira. Esses são todos estereótipos impingidos aos puritanos por historiadores ignorantes. Considere estas citações dos próprios puritanos: “A esposa é uma ordem para o homem: como uma pequena Zoar, uma cidade de refúgio aonde fugir em todos os seus problemas: e não há nenhuma paz comparável a ela, a não ser a paz de consciência”. “Uma boa esposa sendo… a melhor companheira na fortuna; a mais adequada e pronta assistente no trabalho; o maior conforto nas tribulações e pesares; e a maior graça e honra que pode haver a quem a possui”. “É receber misericórdia ter uma amiga fiel que o ama inteiramente… a quem você pode abrir sua mente e comunicar seus assuntos… e é receber misericórdia ter tão perto uma amiga que seja auxiliar a sua alma… a incitar em você a graça de Deus”. “Deus, o primeiro Instituidor do casamento deu a esposa ao marido para ser, não uma serva, mas sua auxiliadora, conselheira e consoladora”.

Richard Baxter, escrevendo sobre os deveres do marido e da esposa, nos dá uma olhada de primeira-mão dentro do coração do relacionamento marital puritano:

1. Amar inteiramente um ao outro e por isso escolher uma que seja verdadeiramente amável…; e evitar todas as coisas que tendem a sufocar seu amor.

2. Morar juntos, desfrutar um do outro, e fielmente se unirem como auxiliares na educação de seus filhos, no governo da família e na administração dos negócios seculares.

3. Especialmente serem auxiliares na salvação um do outro: estimular um ao outro à fé, ao amor, à obediência e boas obras: advertir e ajudar um ao outro contra o pecado e todas as tentações; unirem-se no culto a Deus em família e em privado: preparar um ao outro para a proximidade da morte e confortar um ao outro com a esperança da vida eterna.

4. Evitar todas as dissensões, suportar unidos aquelas enfermidades em um ou outro que não podem ter cura: acalmar, e não provocar, paixões incontroláveis; e, em coisas legítimas, agradar, satisfazer um ao outro.

5. Preservar a castidade e fidelidade conjugal, evitar toda conduta inadequada e imodesta em relação a outro que possa incitar ciúmes; e, ainda, evitar todo ciúme que seja injusto.

6. Ajudar um ao outro a suportar seus fardos (e não torná-los maiores com a impaciência). Na pobreza, tribulações, doença, perigos, confortar e apoiar um ao outro. E serem companheiros deleitáveis no amor santo, na esperança e deveres celestiais, quando todos os outros confortos externos falharem.

 

Seus Deveres

John Cotton, em seu A Meet Help (Uma Ajuda Adequada) escreve que o dever da esposa era “ficar em casa, educando seus filhos, preservando e melhorando o que é conseguido pela indústria do homem”. O historiador Edmund Morgan acrescenta que “o que o marido provia ela distribuía e transformava a fim de suprir as necessidades diárias da família. Ela transformava farinha em pão, lã em roupas e esticava os centavos para comprar o que ela não podia fazer”. Em algumas casas, a esposa cuidava das finanças da família. Numa breve descrição puritana do trabalho pode-se ler: “Guiar a casa e não o marido”. “É bem claro que, para os puritanos, ser uma esposa e mãe não era um trabalho: era um chamado”.

 

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* Este post é parte da Palestra “A Mulher Puritana” proferida na “Conferência da Mulher – HNRC” no ano de 1998 pelo Pr. David Lipsy. Traduzido e publicado em português originalmente na ”Revista Os Puritanos” (Ano XII, nº 02:2004), re-publicado com permissão do Projeto Os Puritanos e do autor.

**O Rev. David Lipsy é pastor da Grace Reformed Christian Church, Arkansas, USA. É casado com Ruth desde 1981 e são abençoados com oito filhos e dois netos. Depois de participar de Rutgers College of Pharmacy por quatro anos, completou a licenciatura em Educação em Lakeland College e serviu 14 anos como professor da escola cristã em Wisconsin. Cursou o M. Div. no Puritan Reformed Theological Seminary (PRTS) em Grand Rapids, MI e completou programas de certificação introdutória e avançada em Aconselhamento Bíblico no “Aconselhamento Cristão e Fundação Educacional” de Glenside, PA. Ele está próximo de completar o Doutorado do programa no Ministério Aconselhamento Pastoral de Westminster Seminary, na Filadélfia. Atua no Conselho de Administração do PRTS bem como no Covenant College, na Zâmbia, na África. Periodicamente ensina em ambas as instituições. Pastoreou a Congregação Reformada Heritage of New Jersey 1999- 2008.