Comer muito mel não é bom; assim, procurar a própria honra não é honra.
Como cidade derribada, que não tem muros, assim é o homem que não tem domínio próprio. (Pv 25.27-28)
Em nossos dias líquidos, a temperança é uma virtude que precisa ser redescoberta e almejada, mais e mais, em oração. O coração do pecador é um hábil artesão capaz de distorcer coisas boas. Isso também acontece no exercício da temperança de várias maneiras. Obviamente, a temperança pode ser erroneamente usada como trampolim para a frouxidão moral, indiferença ou temor de homens. Contudo, igualmente danoso, é a atitude que confronta a temperança cristã como se ela fosse uma atitude dispensável. Em outras palavras, no afã de confrontar a atitude do “politicamente correto”, nosso coração encontra orgulho suficiente para confundir falta de educação ou rigidez excessiva com firmeza. Facilmente racionalizamos o pecado para justificar quando passamos do ponto. Em vista disso, precisamos pedir que o Senhor nos ensine temperança.
A temperança cristã é uma virtude entre muitas. Isso significa que não podemos ver a temperança isolada das outras qualificações do ministro do Evangelho. Da mesma forma que o bispo deve ser irrepreensível e apto para ensinar também se requer temperança (1Tm 3.1-7; Tt 1.8; 2.2). É importante sempre manter em mente que aptidão para o ensino não indica apenas as capacidades de ordem cognitiva do ministro, a saber, sua capacidade lógica, mas apontam para uma série de qualificações, ou virtudes que indicam a temperança, sobriedade, modéstia, a atitude não violenta e a postura cordata. A temperança não pode ser içada em separado, mas deve ser considerada, com igual importância, em relação a outras virtudes. Se, vida exemplar em família é uma qualificação inquestionável do bispo, então a temperança também deve ser. Contudo, em nosso código de valores morais, facilmente vemos como mais grave as falhas na família e não damos o mesmo peso quando mostramos uma atitude desequilibrada ou destemperada. É exatamente pelo fato de facilmente racionalizarmos a falta de domínio próprio que precisamos tanto orar por pastores temperantes.
É importante notar o contexto bíblico das instruções de Paulo sobre a estima da temperança. Paulo cita temperança sem dar muito rodapé. Ou seja, a linguagem simples da temperança, ainda que debaixo de muito entulho antropocêntrico, carrega de uma lâmina tênue que remete ao equilíbrio, moderação, bom senso e ordem. Os gregos antigos quando escutavam sobre esses termos, em suas listas de virtudes, certamente lembravam-se daquelesfilósofos que defendiam a moderação como um dos alvos da sabedoria. Entretanto, quando o apóstolo fala da moderação, ele não cita a temperança como uma aquisição da razão, mas como fruto do Espírito. Ou seja, o domínio próprio, segundo Deus, é dom do alto, espiritual, belo e santo (Gl 5.23). Não se trata da moderação como ética ou estética pagã, mas como fruto da ação do Espírito do meio do seu povo! Moderação é graça derramada! Presente da Trindade!
Olhemos ainda para outro aspecto do contexto da temperança citada por Paulo, a saber, a correção dos desvios graves. Diante dos mestres da lei e a loquacidade frívola deles, da insubmissão de algumas mulheres, da apostasia de outros, do amor ao dinheiro ou mesmo da necessidade de colocar as coisas em ordem, nota-se que a temperança deveria ser vista como uma virtude entre outras. Da mesma forma que o ministro deve ser firme, apto para ensinar, fiel, ele também deve ser temperante. Ele ensina com fidelidade, luta o combate da fé, repreende de forma severa, mas, sem perder o domínio próprio. Pastoreio é um exercício de domínio próprio. Para colocar uma igreja em ordem, o bispo precisa do poder do Espírito para ter suas paixões em ordem. Como precisamos ser, todos os dias, ensinados sobre essas verdades! No chão da igreja local, lado a lado, com nossas lutas e dos nossos irmãos, mais do nunca precisamos recuperar o lugar da temperança como uma virtude entre outras – ou, no dizer de Calvino, a temperança em caráter amplo. Não é fácil ensinar o papel da mulher em tempos de “empoderamento”. Não é fácil ser moderado quando ser grosso e arrogante é sinal de firmeza. Não fácil ter domínio próprio numa época que idolatra a indiferença e o relativismo. É possível encontrar a medida certa? Sim. O Espírito Santo nos ensina a dose certa, o ponto certo, a temperança e o domínio de si mesmo.
Queridas irmãs, orem para que o Espírito derrame sobre os pastores tanto firmeza quanto temperança! No progresso da santificação todos nós, humildemente, precisamos reconhecer a necessidade de sermos mais temperantes. Como bem diz o puritano M. Henry: o bispo “deve ser sóbrio, moderado em todas as suas ações e no uso das coisas terrenas. A sobriedade e a vigilância caminham juntas nas Escrituras, porque se complementam mutuamente.”
No amor Daquele que efetua em nós tanto o querer como o realizar.
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Sou ministro presbiteriano, pastoreio a Igreja Presbiteriana do Cambeba desde 2009 e também sirvo como professor de teologia. Sou casado com Danielle e pai da Sarah, Samantha e Samuel. Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico de Fortaleza da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, Mestre em Teologia pelo Centro de Pós-graduação Andrew Jumper e doutorando em ministério na mesma instituição.