Tenho a convicção de que filhos são bençãos e desejo tê-los. Mas e se Deus não me der os filhos que eu quero?

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Me fiz essa pergunta ao perder meus gêmeos com 8 semanas de gestação, há pouco mais de um ano. Nessa época, o consolo que nos davam sempre era relacionado com a esperança de uma futura gravidez. Não consigo contar quantas vezes ouvi as seguintes frases: “Você é nova, logo tem outro”./“Que triste, mas você ainda vai realizar seu sonho de ser mãe”./“Você vai ver que logo logo vai estar com uma criança nos braços”./“O tempo passa rápido, daqui a pouco você vai estar com um lindo barrigão.”

Apesar de saber que essas frases normalmente são carregadas de boa intenção, elas nunca representaram consolo verdadeiro pra mim. Além disso, lembro de soar como um insulto. Eu não estava sofrendo pelo cancelamento de passagens aéreas, eu havia perdido meus filhos, e eles eram únicos. Certamente amarei outros filhos que Deus quiser mandar, mas isso não anula a tristeza dessa separação tão precoce, bem como a esperança da vida na eternidade ao lado desses irmãos que foram gerados em mim.

Isso, é claro, é assunto para outro dia, mas vale a pena ser mencionado. Voltemos para a questão do consolo. Nunca fez muito sentido pra mim. Conversando com outras dez jovens recém casadas que também perderam a primeira gravidez, vi que não era a única. Conversando com mulheres que perderam uma gravidez após uma outra gestação bem sucedida, percebi que elas também sofriam com essa linha de raciocínio, mas de forma diferente. Para elas, era: “mas você já tem X filhos…”.

Às vezes, eu respondia algo como: “obrigada, mas não tenho como saber se Deus vai me dar mais filhos; e se Ele der, não sei por quanto tempo os terei”. Normalmente, a resposta que eu recebia era de que, nesse caso, deveria considerar a adoção.

De fato, a adoção de filhos deveria ser uma prática mais comum em nosso meio (não só em casos de infertilidade), mas devemos ter cuidado com a mentalidade de que existe um controle nosso acerca da natalidade dos nossos filhos. Devemos enxergar os filhos adotados como filhos dados por Deus quando e como Ele quer, não como um processo mais facilmente controlável. Existe quem não consegue adotar por esse meio, e quem só consegue depois de situações difíceis, assim como é com filhos gerados. Gerados ou adotados, ter filhos não é algo que podemos controlar. E esse é o cerne da questão.

Depois da minha dor, comecei a prestar mais atenção às famílias à minha volta. A primeira coisa que notei, é que a perda de bebês é algo extremamente comum nesse mundo caído. Apesar disso, não se fala o suficiente desse assunto, e a maioria das pessoas não sabe como lidar com alguém que passa por isso. Outra realidade igualmente comum é a de casais que são inférteis por diversos motivos, outros lutam na fila de adoção. Inúmeras lutas podem ser travadas em diversos cenários diferentes.

O cenário que eu imaginava no meu noivado representa a minoria dos casos. Muitas famílias têm filhos depois de diversas situações difíceis, e passam por um longo período de espera. Outros casais não poderão ter filhos. Foi quando eu comecei a me questionar: e se Deus não me der os filhos que eu quero? O que farei? Às vezes assumimos que tudo ocorrerá bem. Mas e se não acontecer tudo conforme o planejado?

Um efeito colateral desse questionamento foi um assombro que eu não experimentara antes ao ouvir o pensamento de alguns casais acerca do planejamento familiar. Eu não me refiro à quando não ter filhos, porque esse assunto não cabe aqui, apesar de haverem muitos problemas relacionados a esse assunto. Me refiro ao planejamento de quando tê-los. Desde o meu noivado, ouço perguntas e afirmações como: “Quantos filhos vocês vão ter?”/“Quando vocês terão os filhos de vocês?”/“Qual a diferença de idade que os filhos de vocês vão ter?”/“Quantos filhos de cada sexo vocês vão ter?”/“Quero engravidar no mês de dezembro.”/“Eu escolhi o sexo do meu filho.”/“Eu terei uma família grande, vou ter pelo menos quatro filhos”./”Fiz todos os cálculos e engravidei exatamente quando e como queria”.

Desconfiar dessas perguntas e respostas é algo anticultural, e eu não espero que muitas pessoas compartilhem do meu assombro às sentenças acima. Mas como povo de Deus, que crê em Sua soberania, deveríamos ter mais cuidado com elas.

O cerne da questão é que, sem perceber, acreditamos que somos nós que tomamos essas decisões. Não me leve a mal, não vejo que é necessariamente um problema expressar o desejo relacionado aos filhos. Particularmente, tenho o desejo de ser mãe de menina ao menos uma vez e de ter uma grande família. Mas simplesmente não tenho como saber se Deus vai me dar filhos, nem quantos serão, ou o sexo deles. Entende a diferença?

Eu entendo que em um mundo que luta em prol do assassinato de bebês, essa discussão possa parecer pouco produtiva, mas quero elencar algumas razões pelas quais deveríamos reformar nosso coração e nossa mente acerca disso.

1 – Paramos de crer que os filhos são presentes do Senhor.

Herança do Senhor são os filhos;

o fruto do ventre, seu galardão.

Como flechas na mão do guerreiro,

assim os filhos da mocidade.

Feliz o homem que enche deles a sua aljava;

não será envergonhado,

quando pleitear com os inimigos à porta.

Salmos 127: 3-5 (grifo meu)

A luta pelo resgate do valor dos filhos é uma luta que vale a pena ser travada em nossos dias. Precisamos querer filhos. O Salmo acima nos mostra o valor que os filhos da aliança têm, e seríamos tolos se não os desejássemos. Mas precisamos ter em mente que é o Senhor que dá os filhos. Os filhos são presentes, e quem toma as decisões acerca de quem dá o presente é quem presenteia!

2 Ficamos demasiadamente ansiosos à espera por uma gravidez

Nos deram métodos contraceptivos, e passamos a acreditar que temos controle sobre quando não ter filhos. Depois disso, não demorou muito para que achássemos que tínhamos o controle sobre quando tê-los. Esquecemos que são presentes do Senhor, e ficamos demasiadamente ansiosos quando não engravidamos quando queremos.

3 – Sentimo-nos erroneamente orgulhosos quando tudo sai conforme planejamos

Existem casos em que Deus abençoa as famílias de acordo com as orações. Tenho uma amiga querida, esposa de pastor, que tem um grave problema de coluna. Por conta disso, ela não poderia ter muitas gravidezes, mas queria muitos filhos e desejava muito ter gêmeos. Deus a abençoou com duas gravidezes gemelares, conforme as orações dela.

Essa querida amiga tem muitos motivos para ser grata ao Senhor por essa provisão! Mas algo que ela não pode fazer é se orgulhar e achar que Deus fez assim por causa da oração dela, como acontece muitas vezes com muitos de nós.

4 – Fazemos comentários que machucam famílias em dor


Conversando com famílias que perderam filhos ou que lidam com a infertilidade, uma triste realidade nos assombra. Até mesmo dentro das igrejas, essas famílias precisam lidar com uma quantidade enorme de perguntas e afirmações indelicadas e que machucam.

Muitas vezes a intenção dessas perguntas e afirmações não é ruim, mas nem por isso elas machucam menos. Todas elas têm algo em comum: normalmente são fruto de uma concepção errada acerca do planejamento familiar, valor dos filhos e etc. Alguns casais que lutam contra a infertilidade afirmam que com o passar do tempo, o peso dos comentários começa a doer mais que a própria infertilidade. Sei que não é o assunto do texto, mas eu não poderia deixar de mencionar isso. Precisamos resgatar esses valores com urgência e acolher as dores das famílias ao invés de afastá-las ainda mais de consolo.  

Essas famílias certamente precisam depositar tudo em Deus, mas a comunhão dos santos deve ser um instrumento de benção na vida dessas pessoas, e não de mais dor.

5 – Ficamos desesperados e frustrados com a perda de filhos, ou quando não conseguimos tê-los.

Perder meus filhos foi a dor mais aguda que senti. Hoje, pouco mais de um ano depois, essa dor foi amenizada. Mas ainda me pego imaginando cenários com esses filhos que eu não pude criar, especialmente ao segurar bebês que têm idades aproximadas a que eles teriam. Não posso imaginar a dor de casais que não podem gerar filhos, ou que batalham na fila de adoção.

Mas por mais difícil que seja, devemos estar contentes na situação que Deus têm para nós. Não temos o direito de exigir filhos. A herança é Dele e Ele dá a quem quiser. Ele é soberano e seu governo é sábio e bom. Entender isso nos ajudará a lidar com essas questões com mais leveza.

Respondendo ao meu questionamento inicial, se Deus não der os filhos que eu quero, não deverei me frustrar, questionar a bondade do Senhor ou viver descontente. Devo encontrar alegria na Salvação e saber que não preciso de filhos para ter alegria. Saber que isso está nas mãos de Deus, nos dá paz e tranquilidade, sabendo que se for da vontade Dele, assim será. Se não, não vou deixar de ter alegria e contentamento Nele.

Isso não nos impede de orar pedindo isso ao Senhor, e de fazer o que estiver ao nosso alcance. Problemas de saúde devem ser investigados e tratados. Porém mais importante que isso é o nosso coração. Precisamos ter um coração alegre em todas as

circunstâncias. Devemos desejar filhos, mas viver contentes mesmo que eles não venham.  

Enquanto se espera

Enquanto os filhos não vêm, podemos orar por eles e pedir essas bênçãos ao Senhor, mas não devemos viver desesperados ou ansiosos. Devemos encontrar alegria em Deus e em tudo aquilo que Ele já nos deu.

Casais que não têm filhos podem servir mais à igreja e pessoas ao redor, se envolver em programações que seriam mais difíceis depois, com filhos. Não devemos postergar filhos por causa disso, mas podemos ser gratos a Deus pela circunstância de vida atual e todas as bênçãos que isso representa, como um café tomado com tranquilidade, viagens mais tranquilas e etc. Não devemos desejar uma vida sem filhos por causa dessas coisas, mas isso não significa que não podemos expressar contentamento nessas benesses da vida.

Famílias que queriam mais filhos e não os tiveram, podem expressar a gratidão a Deus pelos filhos que Ele já deu, e aproveitar a vida familiar atual enquanto oram e aguardam por mais um filho.

Ou seja, se Deus me der os filhos que eu quero, aceitarei esses presentes com senso de responsabilidade e gratidão, entendemos que são presentes, herança e preciosidades dadas por Ele do jeito que Ele quis. E se Ele não me der, viverei minha vida com contentamento e alegria na salvação e nas outras dádivas dessa vida.

Certamente essa é uma resposta que não vêm facilmente ao nosso coração. Para os crentes que entendem a beleza da maternidade e paternidade, essa é uma provação. Mas oro pra que Ele nos habilite a passar por essa provação com alegria e perseverança.

Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo.

2 Coríntios 12.9

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Cynara de Souza, casada há dois anos com Quésede de Souza, membro da Igreja Presbiteriana Filadélfia em Marabá-PA, dona de casa e Engenheira de Produção.