orandoEste milagre ocorreu ao mesmo tempo da ressurreição da filha de Jairo. Três dos Evangelhos nos mostram os dois milagres juntos.  A filha de Jairo tinha doze anos, e esse é exatamente o tempo no qual esta mulher havia sofrido. A filha estava à beira da morte, enquanto a mulher não estava tão distante disso também. Ela pode ter tido coragem pelo fato de Jesus estar indo com Jairo; bem como Jairo pode ter sido encorajado devido a Jesus ter parado no meio do caminho e curado completamente outra pessoa. Nós não sabemos se Jairo e a mulher refletiram sobre isso posteriormente, mas o Senhor une as pessoas e trabalha para que elas sejam incentivadas pelo que Ele está fazendo por elas.

Entretanto, há muitas diferenças entre Jairo e esta mulher. Jairo era chefe da sinagoga, uma figura pública na cidade. Ele foi até Jesus e fez um eloquente pedido – “Minha filhinha está à morte; vem, impõe as mãos sobre ela, para que seja salva, e viverá.” (v.23) A mulher, por outro lado, não tinha nome. Considerada suja, ela foi por detrás, a fim de tocar a borda das vestes de Cristo, e então alcançar favor dali. Embora eles fossem tão diferentes, assim como foram diferentes suas formas de chegar ao Mestre, a graça de Cristo atingiu poderosamente a ambos, servindo de testemunho de que esta graça pode agir em favor de todos.

O Problema

Não nos é dito exatamente qual a doença que acometia aquela mulher, apenas que ela vinha sangrando dia após dia. Gênesis 9:4 nos diz que a vida está no sangue,  isso deve ter parecido como se a vida estivesse se esvaindo dela. Sua aparência fraca e pálida teria indicado que ela não estava bem.

De acordo com Levíticos 15:25-27, ela teria sido rejeitada, bem como impedida no templo. Se alguém tocasse o que ela havia tocado, este estaria impuro. Como ela deve ter se lamentado ao ler o veredito das Escrituras: “será imunda.” De todos os ângulos, a doença que a passagem chama de “flagelo” (v.29; literalmente,  “chicotada”, ou “açoite”, ou “chicote”).

Ela tinha tentado de tudo para se curar. Não havia nenhum médico, longe ou perto, que ela ainda não tivesse consultado. Ela deve ter tido alguns bens, mas gastou todos os seus pertences na esperança de médicos. Marcos diz: “e muito padecera à mão de vários médicos” (v.26). As pessoas que estavam para aliviar o sofrimento, na verdade o intensificara. Junto com seu sangue, seus recursos também foram drenados, e ainda assim, ela não melhorava, “antes, pelo contrário, indo a pior”(v.26). As exigências feitas por Deus no livro de Levíticos sobre o povo de Israel foram para ensiná-los a gravidade do pecado. O pecado não nos corrompe e nos torna impuros e vis? Ele mina nossa força e vitalidade, a nossa alegria e paz, e, acima de tudo, nos separa uns dos outros e de Deus. (ver Isaías 59:2). Aqui na Terra, seja qual for o médico que consultarmos para obtermos cura, nunca teremos resultados em relação à doença do pecado.

Todavia, notícias do Médico dos médicos chegaram a essa mulher (v.27). Talvez o relato que Cristo tinha tocado um leproso imundo e o curado houvesse despertado esperança em seu coração desesperado. Sua necessidade desesperada a impulsionando de um lado, e o relato sobre a capacidade de Cristo do outro, acabaram por atraí-la para Ele. Por trás de tudo isso, entretanto, o Pai estava trazendo essa mulher aos pés de seu Filho (João 6:44). Porém, ela havia ido para achar uma maneira de escapar de doze anos de miséria.

O Toque

A mulher trilhou seu caminho através da multidão. Isso foi, sem dúvidas com discrição, mas de maneira muito determinada. De acordo com a linguagem do texto original, ela se manteve dizendo a si mesma, “Se eu apenas lhe tocar as vestes, ficarei curada” (v.28). Enquanto ela se movia através da multidão centímetro por centímetro, ela deve ter visto as vestes de Cristo em um determinado ponto. Por João 19, se sabe que o revestimento exterior das roupas de Jesus era sem costura; de acordo com as leis levíticas, as pessoas tinham que marcar as margens das suas vestes. (Nm15:38-41). A lei determinava que eles tinham que amarrar um fio azul através da bainha, a fim de lembrá-los dos mandamentos do Senhor. Nos tempos de Cristo, isso era feito atando quatro franjas a quatro cantos das vestes exteriores, e tecendo-as de azul ou usando linha branca.

Nós não sabemos o valor que a mulher atribuía a essas franjas. Duvido que ela pudesse focar na impecável pureza desse Filho obediente ao Pai. Seu respeito por Cristo, no entanto, era tão grande, que ela reconheceu que apenas a bainha desta gloriosa Pessoa poderia transmitir a cura. Por doze longos anos, ela não tinha sido autorizada a tocar em nada alheio, nem nas vestes, nem em ninguém, sem tornar qualquer pessoa impura; mas ela se sentiu inexoravelmente atraída a tocar no Salvador!

A palavra “tocado” no original se refere a um certo segurar, não apenas passar a mão rapidamente. Esse segurar causa o que lemos no verso 29: “E logo se lhe estancou a hemorragia, e sentiu no corpo estar curada do seu flagelo.” O Seu poder chega onde nada teria sido eficaz. Em um instante o problema foi curado na fonte. Em um instante, todo o isolamento acabou, toda a imundícia havia desaparecido, toda a vergonha e separação havia passado.

Como Jesus pôde fazer isto? Ele pôde fazer isto porque Jesus veio cuidar da raiz do problema, a saber, o pecado. O poder vindo Dele para lidar com as impurezas vindas dela. Zacarias 13:1 profetizou, “Naquele dia, haverá uma fonte aberta para a casa de Davi e para os habitantes de Jerusalém, para remover o pecado e a impureza.” Não é diferente do que lemos em Ezequiel 16:6, o poder dele a alcançou enquanto ela estava no seu próprio sangue, e disse a ela,”vive.” E vida ela teve. Lá se foram os dias em que a vida estava se esvaindo dela –  tudo isso porque ela tinha tocado a bainha do manto do Senhor. Este milagre proclama a nós o poder mediador de Cristo por causa da Sua morte e ressurreição para lidar efetivamente com a praga que é nosso pecado.  Será que nós nos impulsionamos a abraçarmos o filho de Deus pela fé para a salvação? Isso é ao que Isaías 64:7 se refere.  Muitos apenas se amontoavam ao redor de Cristo sem detê-lo pela fé. Eles não entendiam suas necessidades ou avaliavam a capacidade Dele para salvá-los completamente. Alguns têm comparado a promessa do evangelho com as franjas que os pecadores impuros tocavam– e quando eles o fazem, Deus, em Cristo, transmite o que nenhum outro médico pode: cura espiritual, restauração e poder para uma nova vida.

O Professor

O Salvador curou aquela mulher, mas depois ele prosseguiu a ensiná-la. O versículo 30 diz: “Jesus, reconhecendo imediatamente que dele saíra poder, virando-se no meio da multidão, perguntou: Quem me tocou nas vestes?“

Isso pode nos parecer uma pergunta estranha, especialmente quando havia uma grande multidão pressionando a Cristo. Os discípulos certamente acharam essa uma pergunta estranha. Na verdade, em Lucas nós lemos que todos negaram isso (Lucas 8:45). Ainda assim, se Cristo reconheceu Natanael debaixo da figueira e Zaqueu no sicômoro, Ele certamente reconheceria que alguém o havia tocado. Cristo reconheceu o toque de fé, e dentre centenas de pessoas pressionando-o, Jesus pôde sentir uma pessoa que o tocou com verdadeira fé. Esta mulher veio secretamente a Jesus, e Cristo havia permitido isso; mas ela não sairia em secreto. Cristo não poderia deixá-la voltar para a sua casa com a dúvida e o medo de que o que ela tinha feito algo errado. Ele a abençoaria ainda mais, por isso a sua pergunta: “Quem me tocou”? (Marcos 5:30).

Esta pergunta e as palavras que se seguem foram os meios do Senhor para selar seu trabalho nela, o tipo de coisa que Paulo se refere em Efésios 1:13. Neste caso específico, Cristo fez três coisas:

Primeiro, Ele a viu. No versículo 32: “Ele, porém, olhava ao redor para ver quem fizera isto.“ É como o Esposo chamando para ver sua noiva, como nós lemos em Cântico dos Cânticos 2:14: “Pomba minha, que andas pelas fendas dos penhascos, no esconderijo das rochas escarpadas, mostra-me o rosto, faze-me ouvir a tua voz, porque a tua voz é doce, e o teu rosto, amável.” Ele chama os crentes que estão em secreto para fora, onde pode ensiná-los e abençoá-los mais.

Segundo, Ele a trouxe para confessar a Ele. Paulo diz: “Porque com o coração se crê para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação.” (Romanos 10:10) Cristo trouxe a mulher a confessar, mesmo com medo e tremor. Da mesma forma ocorre toda vez que o Senhor garante e sela Seu poder na vida de Seu povo.

Finalmente, ele a instruiu. O versículo 34 contém muitas instruções para aquela mulher e para todos os verdadeiros crentes. Cada frase é como um capítulo de instrução sobre a identidade, vida e futuro do cristão. No Antigo Testamento, uma mulher como ela precisaria ser declarada limpa pelo sacerdote (Lev. 15:29 -30). Aqui, Cristo é maior que qualquer outro sacerdote. Ele além de curá-la a deixa limpa. Não nos surpreende o que a Bíblia traz em Hebreus 4:15-16: “Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas….” Como aquela mulher, vamos corajosamente a Ele através do Evangelho, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna.

Perguntas

1. Quais são as cinco similaridades entre o problema daquela mulher e os problemas de um pecador convicto?
2. As vezes as pessoas têm medo de “roubar” uma benção que pode não ser sua. Que compreensão essa passagem nos dá sobre isto, não só no início, mas também no final?
3. Em Isaías 64:7, o profeta lamenta que poucos se despertam e detém o Senhor. O que significa deter o Senhor e como isso pode ser feito? Como nós podemos saber que nós já o fizemos?
4. Medite em todas as coisas que o Salvador ensina àquela mulher no versículo 34. Como essas coisas se relacionam com o que o Senhor ensina para as pessoas em sua fé?
5. Discuta se existe algo do tipo um discípulo secreto, caso sim, o que precisa acontecer com eles. Em adição a este milagre, consulte João 19:38-39.

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geraldbilkes**Esse artigo foi originalmente publicado na revista The Banner of Sovereign Grace Truth (Edição online de Janeiro/2013) , traduzido com permissão do editor.

Dr. Gerald Bilkes é professor de Teologia Bíblica e Novo Testamento no Puritan Reformed Theological Seminary. Ele completou seu doutorado (2002) no Princeton Theological Seminary. Ele era beneficiário de uma bolsa para pesquisa da Agência de Informação dos Estados Unidos no Instituto Albright (ASOR) em Jerusalém durante o ano de 1997-1998. Ele tem escrito vários artigos sobre temas bíblico-teológicos e tem palestrado em várias conferências. Suas áreas de interesse especial incluem hermenêutica, a história da interpretação e conversão na Bíblia. Ele e sua esposa, Michelle, tem cinco filhos: Lauren, Seth, Zachary, Audrey, e Josué.

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** Tradução: Raynara Correia e Isla Almeida