young-girl-with-cat-on-wheelchair-fabrizio-cassettaToda gravidez é cercada de uma deliciosa ansiedade. Como nosso bebê será? A cor dos olhos, dos cabelos, se será um menino ou uma menina. É um momento de encanto e amor pelo desconhecido serzinho que está se desenvolvendo em seu ventre. Alimentamos sonhos a respeito do que faremos com ele e por ele, de como o ensinaremos a amar o nosso Deus. Sonhamos em ouvir sua voz, em ver seu sorriso. Desejamos que sua vida inteira seja plena de alegrias e realizações. Batendo de frente com todos os nossos desejos, no entanto, muitas vezes a dura realidade chega sem dar avisos. Nunca pensamos que algo vai dar errado, que vai sair do nosso controle ou fugir da maneira caprichosa e amorosa que planejamos. Mulher nenhuma acha que o filho que carrega no ventre pode não ser como todas as outras crianças. Nunca sonhamos em ter um filho deficiente físico. Esperamos sempre o melhor, o mais lindo e perfeito futuro pra nós e para os nossos.
Foi assim em nossa família. Eu e Orebe já éramos pais de dois meninos lindos e agitados, quando descobrimos que teríamos o terceiro filho. Logo no começo passamos por um susto, uma ameaça de aborto que logo foi contornada. A gravidez transcorreu bem até com 28 semanas de gestação, sem maiores explicações, minha bolsa rompeu. Conseguimos segurar a gestação até 32 semanas, quando Davi nasceu pesando um quilo e meio. Depois de oito dias na UTI neonatal, num momento em que eu havia ido em casa para ver os outros dois filhos, algo terrível aconteceu. As enfermeiras o alimentaram através de uma sonda, mas não o fizeram arrotar, nem o colocaram de lado. De barriga para cima, ele golfou e aspirou o líquido, tendo uma parada cárdio- respiratória. Quando perceberam o que havia acontecido ele já estava roxo, sem respirar há vários minutos. Travou-se então, uma longa, dura e sofrida batalha pela vida. Quando finalmente tivemos alta, achamos que estava tudo bem com nosso Davizinho, que o pior havia ficado para traz. Mas aos quatro meses descobrimos que não era bem essa a realidade. Depois de uma longa e demorada peregrinação, descobrimos que ele tinha uma paralisia cerebral que causava danos ao seus membros inferiores. Seguiram-se anos de fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisioterapia, hidroterapia, aparelhos nas pernas, cirurgias, consultas e medicamentos sem fim. Nossa vida girava em torno de fazer com que seus danos fossem os menores possíveis.

O difícil momento de aceitar que não há outro jeito

Depois de sete anos perambulando e trocando de médicos, de cidades e de tratamentos, finalmente encontramos um grande centro especializado em problemas ortopédicos, decorrentes de problemas neurológicos. Ali sim, haveria solução para os problemas do nosso doce menino. Mas a primeira coisa que os especialistas nos disseram foi que isso não aconteceria. Ele não ficaria “bom”, não seria uma criança “normal”, mas que seria um menino produtivo e ativo dentro das possibilidades que sua paralisia permitia. Lembro que chorei uma semana inteira. Das outras vezes que ele tinha sido operado, para que não andasse mais nas pontas dos pés, tinha ficado bom. Meses depois, no entanto, os pés foram aos poucos voltando a ficar na ponta dos dedos. Minha esperança era de que este grande centro fizesse uma cirurgia inovadora, uma técnica nova… sei lá. Mas a resposta foi: “ele será feliz assim, ele não é um pé, mamãe”. Este momento certamente não é um momento agradável. Muitas dúvidas e angústias se alojam em nossa mente e coração. A notícia de que seu filho precisará por toda a vida de cuidados especiais mexe muito com os pais.

Nossa teologia pautará nossas vidas

As notícias trágicas e dolorosas nos impõem os nossos verdadeiros limites e o quanto somos dependentes de Deus. Elas nos trazem para o nosso verdadeiro lugar. Nestas horas, onde a dúvida se abate sobre nós, necessitamos desesperadamente voltar nossos olhos para as Escrituras. Ter medo e ter dúvidas, explica João Calvino, não é necessariamente pecado. Nesta hora, mostramos a fé que temos, lançando nossas perguntas para a Palavra, deixando que ela nos responda. Se não conhecemos as Escrituras, no entanto, corremos o risco de naufragar.
O que a Palavra de Deus nos ensina sobre o sofrimento, sobre a dor, sobre as tragédias que se abatem sobre nós? Por que isso aconteceu comigo e com meu filho? Será que eu tenho alguma culpa? Poderia ter feito algo para evitar o inevitável? Estas e todas as outras perguntas que surgirem em nossa mente, devem ser levadas à única fonte eterna e verdadeira: a Palavra de Deus. Qualquer resposta fora dela, proverá para nós respostas falsas, que nos farão prostrar-nos diante de um deus como aquele que o povo fez no deserto: um ídolo, que nem de perto se parece com o único e verdadeiro Deus.
Você pode dizer que não entende nada de teologia, e que portanto, isso não faz a menor diferença em como você encarará as vicissitudes da vida. Mas, segundo Paul Tripp, cada um de nós, mesmo que diga que não quer saber de teologia, vive por meio de alguma: “Vemos teologia como o estudo sistemático do pensamento religioso que pouco tem a ver com o nosso dia a dia. Mas compreendida corretamente,teologia nada mais é do que a história verdadeira do relacionamento de Deus conosco e do nosso relacionamento uns com os outros num mundo danificado. Visto desta forma, quer você “pense” de forma teológica ou não, você está “fazendo” teologia dia após dia por meio das decisões que toma, das palavras que fala, e dos sentimentos e das atitudes que você alimenta em seu coração. Todas estas reações estão enraizadas em sua perspectiva da natureza de Deus…”
Portanto, sua reação a uma tragédia revela muito sobre sua fé em Deus, seu conhecimento dEle gerado através de sua santa Palavra, e do quanto você é um servo obediente ao seu Senhor. Revelará seu conhecimento ou sua total ignorância a respeito do Senhor que você pensa seguir.

Por que isso aconteceu com meu filho?

Talvez esta seja a mais corriqueira pergunta que as mães de filhos com alguma deficiência física se faça. Como isso pôde acontecer? Não poderia ter chegado alguém ali na hora em que o Davi se engasgou? Talvez se eu não tivesse ido em casa naquela manhã… Como será que devemos encarar estas e outras perguntas ainda mais ousadas que nos atrevamos a fazer? Sou uma serva tão fiel ao Senhor, como pode ter me acontecido tal tragédia? Jó também pensou assim, e provavelmente ele era muito mais justo que nós! E depois de tanta dor, ele ousou declarar toda a sua integridade: “Aguardava o bem, e eis que me veio o mal; esperava a luz, veio-me a escuridão.” (30.26). Jó tentou arguir a Deus e teve uma resposta à altura. Se você ler com calma os capítulos 38 e 39, verá a forma severa que Deus responde a Jó: “Quem é este que escurece os meus desígnios com palavras sem conhecimento? Cinge, pois, os lombos como homem, pois eu te perguntarei, e tu me farás saber. Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Dize-mo, se tens entendimento. Quem lhe pôs as medidas, se é que o sabes? Ou quem estendeu sobre ela o cordel? (…) Ou quem encerrou o mar com portas, quando irrompeu da madre; quando eu lhe pus as nuvens por vestidura e a escuridão por fraldas? Quando eu tracei limites, e lhe pus ferrolhos e portas, e disse: até aqui virás e não mais adiante, e aqui se quebrará o orgulho das suas ondas? Acaso, desde que começaram os teus dias, deste ordem à madrugada ou fizeste a alva saber o seu lugar, para que se apegasse às orlas da terra, e desta fossem os perversos sacudidos? (…) Acaso, entraste nos mananciais do mar ou percorreste o mais profundo do abismo? (…) Tens ideia nítida da largura da terra? Dize-mo, se o sabes. (…) Podes levantar a tua voz até às nuvens, para que a abundância das águas te cubra? Ou ordenarás aos relâmpagos que saiam e te digam: Eis-nos aqui? (…) Ou dás tu força ao cavalo ou revestirás o seu pescoço de crinas? Acaso o fazes pular como gafanhotos?” E por fim, no capítulo 40: “Disse mais o Senhor a Jó: Acaso, quem usa de censuras contenderá com o Todo- Poderoso? Quem assim argúi a Deus que responda. Então, Jó respondeu ao Senhor e disse: Sou indigno; que te responderia eu? Ponho a mão na minha boca. Uma vez falei e não replicarei, aliás, duas vezes, porém não prosseguirei.” Que texto impressionante! Que ensinamento precioso! Não importa o tamanho da nossa dor e o quão justos nós sejamos. Não temos o direito de sequer pensar em arguir o Deus Todo- Poderoso!

“Eu fiz o cego”

Não importa o quão “politicamente incorreto” isso lhe possa soar. Não importa se nossa ignorância a respeito da Bíblia e de Deus nos impeçam de enxergar a realidade. A verdade é uma só, e ela nos está revelada nas Escrituras. E se é através dela que você vive deve aceitar seus preceitos, deve conhecê-la, para não correr o risco de pensar e dizer coisas abomináveis sobre Deus. A Bíblia nos apresenta um Deus soberanos sobre todas as coisas. Não um deus que tem domínio sobre apenas alguns aspectos, e é impotente em outros. Ele é o Senhor absoluto da história. A Bíblia nos ensina esta verdade o tempo todo, e se você ainda não teve a oportunidade ler estes textos, gostaria de compartilhar apenas alguns deles com você:
“Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no seio de minha mãe. Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis, e a minha alma o sabe muito bem; os meus ossos não te foram encobertos, quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda.” Salmos 139.13-16. Aqui vemos com clareza que nada escapou ao conhecimento de Deus. E muito mais que isso! Foi ELE mesmo quem nos fez e nos TECEU! Seu filho teve alguma má formação? Nasceu com alguma deformidade? Cego, surdo? Não hesite em render-lhe glórias! Foi Ele quem o teceu, como um artesão amoroso! Os ossos defeituosos de seu pequeno não estavam crescendo inadvertidamente, sem que o Senhor o percebesse. Leia o texto novamente! Perceba que o Senhor cuidava pessoalmente de cada detalhe. E se você tiver alguma dúvida sobre o motivo que Deus teria para colocar em sua família um filho deficiente, lembre-se do que Jesus respondeu aos seus discípulos quando estes se depararam com um cego de nascença: “Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Respondeu Jesus: Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus.” João 9.2-3. Estamos falando do Deus que faz todas as coisas para o louvor da sua glória. E quando dizemos todas as coisas, queremos dizer todas as coisas. A doença, a deficiência, a morte de nossos filhos ou suas vidas e saúde, são para a glória de nosso Senhor. Davi nasceu perfeitinho. Este fato me doeu fundo muitas vezes…mas quando meu coração pecador queria lamentar, logo o restante do texto gritava em minha mente: “no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda.” TODOS os dias de Davi já foram escritos. Inclusive o dia em que esqueceram que ali naquela incubadora, havia um bebezinho prematuro precisando ser colocado de lado para não se afogar. Tudo o que aconteceu ali foi determinado pelo Deus amoroso e pelo Pai bondoso a quem servimos!

Outro texto que nos apresenta a mesma realidade é aquele em que Moisés diz que nunca fora eloqüente e que era pesado de boca e pesado de língua. A resposta que o Senhor deu a ele, revela o seu poder e a sua soberania: “Respondeu-lhe o Senhor: Quem fez a boca do homem? Ou quem faz o mudo, ou o surdo, ou o que vê ou o cego? Não sou eu, o Senhor?” Êxodo 4. 11. Não é incrível? Como podemos ignorar ou fazer de conta que não entendemos? Como podemos pensar em nos rebelar ou em dar vazão ao nosso pecado por causa da dor que estamos sentindo? A Palavra de Deus é muito clara e diante dela devemos nos calar. Nos calar a adorar ao único Senhor. Àquele que controla e governa todas as coisas pelo seu poder!

Continua…

2014-12-01

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simone* Simone Quaresma é casada há 24 anos com o Rev. Orebe Quaresma, pastor da Congregação Presbiteriana de Ponta da Areia em Niterói, Rio de Janeiro.
Professora de educação infantil, deixou a profissão para ser mãe em tempo integral de 4 preciosidades: Lucas (22 anos), Israel (20 anos), Davi (18 anos) e Júlia (16 anos). Ela mantém o blog Se Eu Gostasse de Ler… de leituras diárias para os jovens da Congregação pastoreada por seu marido; trabalha com aconselhamento e estudos bíblicos com as mulheres da Congregação.