Norman Rockwell’s “The Gossip” Fonte: Pinterest

Norman Rockwell’s “The Gossip”
Fonte: Pinterest

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Quando falam de nós sem razão (continuação)

O Salmo 139 é outro belíssimo exemplo e deve servir para aquietar nosso coração e nos ensinar a forma como devemos nos portar diante de acusações inverídicas. O contexto em que este Salmo foi escrito nos traz luz sobre o seu desenrolar. Davi pretendia declarar-se inocente das falsas e mentirosas acusações que estavam sendo feitas a ele. Para isso, ele começa declarando a onisciência absoluta e soberana de Deus como Aquele que conhece cada detalhe em toda a criação, e que o conhecia profundamente desde antes de sua concepção. Pensar desta forma trazia segurança ao salmista. O Senhor o conhecia de fato! Ele pretende deixar clara sua inocência nos pecados que estavam atribuindo a ele, e tomava o soberano Senhor e criador como sua testemunha! Calvino explica assim:

“…Davi insiste, em termos gerais, sobre a verdade de que nada pode enganar a observação divina. Ele ilustra essa verdade a partir da formação original do homem, pois Aquele que nos formou no ventre de nossa mãe e comunicou uma função específica a cada membro do nosso corpo, é impossível que Ele seja ignorante de nossas ações…

Davi declara, no início deste Salmo, que não se aproxima de Deus com qualquer idéia de que é possível alguém ser bem-sucedido em usar o engano, como os hipócritas que tiram vantagens de esconderijos secretos, para continuarem em suas satisfações pecaminosas. Davi, porém, expõe voluntariamente os recessos mais recônditos de seu coração, para serem inspecionados, como alguém que está convicto da impossibilidade de enganar a Deus. Ele diz: A ti, Ó Deus, pertence o sondar cada pensamento secreto; não existe algo que possa escapar à tua observação. Davi insiste nos detalhes para mostrar que toda a sua vida era plenamente conhecida por Deus, que o vigiava em todos os seus movimentos – quando dormia, quando se levantava ou quando caminhava… Davi queria dizer que estava cercado de todos os lados e, assim, sob a vigilância dos olhos de Deus; por isso, não poderia escapar para lugar nenhum.”[4]

Certo, então, de que seu Senhor o conhecia bem e sabia que ele não era culpado das acusações que intentavam contra ele, Davi, agora, declara que há grande diferença entre ele e os inimigos de Deus: “Não os aborreço eu, Senhor, os que te aborrecem? E não abomino os que contra ti se levantam? (v.21). Ele faz uma clara distinção entre ele e os homens que amam a iniquidade. Não obstante, ao comparecer diante do Deus onisciente, que sabe de absolutamente todas as coisas, ele O convida a sondar seu coração: “Sonda-me, Ó Deus, e conheces o meu coração, prova-me e conheces os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau…” (v.23-24). Davi sabia, e tinha Deus como testemunha, que era inocente das iniqüidades que o estavam acusando. ENTRETANTO… se conhecia o suficiente para saber que não era inocente de outros pecados. Naquela falha ele não havia caído, mas em outras… Veja como Calvino explica estes versos:

“O fato de que ele se submetia com tanta ousadia ao juízo de Deus (Sonda-me!) indica confiança incomum. Mas, estando plenamente convicto de sinceridade em sua religião, o salmista não se colocou tão confiantemente perante o tribunal de Deus sem a devida consideração. Tampouco devemos imaginar que ele alegava estar isento de todo pecado, pois gemia sob o fardo de suas transgressões. Em tudo que dizem a respeito de sua integridade, os santos sempre dependem da graça de Deus… ao mesmo tempo que o salmista nega que seu coração era dúbio ou insincero, ele não professa isenção de todo pecado; apenas diz que não se dedicava à perversidade.”[5]

Que maneira brilhante de enfrentar uma acusação e difamação injustas! Que conhecimento Davi tinha de sua própria natureza e do Deus a quem servia! Que ensino inestimável recebemos deste Salmo! Aprendamos com Davi a receber afrontas e injúrias! Não somos achadas culpadas diante de Deus do pecado que nos acusam? Aleluia! Ele nos preservou deste pecado, mas não pensemos que somos pobres coitadas, que nossa dignidade está sendo afrontada e que estamos sendo injustiçadas. Não cometemos ESTE pecado, mas somos culpadas de tantos outros, que nem nos lembramos, que nos tornamos impossibilitadas de ficar requerendo justiça, ou que o nosso augusto nome seja limpo! Me lembro de uma história que li, já não me lembro onde, de um servo de Deus que estava sendo difamado. As coisas que estavam espalhando sobre ele eram mentiras. E em certo momento alguém perguntou: você não vai se defender? Estão falando estas coisas terríveis sobre você! E sua resposta foi surpreendente: Se eles me conhecessem um pouquinho melhor, estariam falando ainda mais: sou muito pior que tudo isso! Este é um homem que conhece a si mesmo, que sabe que está nu diante do Todo Poderoso e que todos os seus mais íntimos pensamentos estão patentes diante de Seus olhos!

Em outra ocasião Davi agiu da mesma forma! Vocês se lembram quando Davi foi expulso do reino por seu próprio filho Absalão? Um homem da família de Saul, chamado Simei, começou a atirar pedras em Davi, a amaldiçoá-lo e a acusá-lo falsamente:

“Atirava pedras contra Davi e contra todos os seus servos… Amaldiçoando-o, dizia Simei: Fora daqui, fora, homem de sangue, homem de Belial (imprestável, companheiro vil, destruição); o Senhor te deu, agora, a paga de todo o sangue da casa de Saul, cujo reino usurpaste… Então, Abisai, filho de Zeruia, disse ao rei: Por que amaldiçoaria este cão morto ao rei, meu senhor? Deixa-me passar e lhe tirarei a cabeça. Respondeu o rei: Que tenho eu convosco, filhos de Zeruia? Ora, deixai-o amaldiçoar; pois, se o SENHOR lhe disse: Amaldiçoa a Davi, quem diria: Por que assim fizeste? Disse mais Davi a Abisai e a todos os seus servos: Eis que meu próprio filho procura tirar-me a vida, quanto mais ainda este benjamita? Deixai-o; que amaldiçoe, pois o SENHOR lhe ordenou. Talvez o SENHOR olhará para a minha aflição e o SENHOR me pagará com bem a sua maldição deste dia. Prosseguiam, pois, o seu caminho, Davi e os seus homens; também Simei ia ao longo do monte, ao lado dele, caminhando e amaldiçoando, e atirava pedras e terra contra ele.” (II Samuel 16.6-13)

Ah, como precisamos aprender com Davi! Como necessitamos tirar nossos olhos de nosso sofrimento, apenas, e entender que o que está em jogo no palco deste mundo é a glória e a justiça de Deus e não a nossa própria… como necessitamos assimilar que o mundo não gira em torno de nossa dor e que sempre que estamos apanhando da mão pesada de Deus, devemos nos submeter, nos calar e lembrar que, se não temos culpa num detalhe, temos culpa no todo, e certamente o Senhor quer nos disciplinar, mesmo usando a impiedade, a maldade e as mentiras que são lançadas sobre nós! O foco deve ser sempre o meu próprio pecado, deve ser sempre buscar em mim a razão de meu sofrimento e dor.

É claro que, se injustiças são feitas a você e calúnias são espalhadas envolvendo seu nome, Deus requererá justiça. Ele é a própria verdade e ama a justiça! Mas esta tarefa pertence ao Senhor:

“… abençoai os que vos perseguem, abençoai e não amaldiçoeis… Não torneis a ninguém mal por mal… não vos vingueis a vós mesmos, mas daí lugar à ira (de Deus); porque está escrito: A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor. Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça.” (Romanos 12. 14-20)

O texto exibe de forma incontestável a premissa de que não podemos resistir e ir contra os que nos difamam e nos fazem mal. Esta não é a nossa função. As atitudes pecaminosas de cada homem serão devidamente avaliadas e julgadas por Quem não se engana e por Aquele que sonda razões, motivações e intentos. Ele é o juiz! A nós, cabe o perdão, o cuidar quando necessário, o tornar a olhar para nós. O fato de estarem pecando contra nós não nos dá o direito de pecar contra eles. Não ganhamos um passe livre para pecar contra quem está nos difamando.

Também cabe a nós sondar o coração para ver se estamos tão aborrecidas por motivos pecaminosos. Quem nós achamos que somos, que tanta santidade é essa que temos, que nos faz ficar tão exasperadas quando fazem fofocas a nosso respeito? Será que temos nos estimado em alta conta além do limite? Será que me tenho por tão reta e tão justa que ninguém deveria ousar falar meu nome com maledicência? Quantas vezes eu mesma já não fiz a mesma coisa? Por que, então, tanta indignação?

Em todas estas circunstâncias, quer sejamos culpadas ou inocentes, devemos cuidar de nosso coração, entregando-nos Áquele que julga retamente e tendo uma visão acurada de quem somos e do que merecemos. Podemos sim, chorar e lamentar, mas nunca nos entregar às lamúrias e à auto-piedade. Precisamos tirar proveito e aprender a viver neste mundo, buscando a glória dAquele que nos redimui! Quer você seja culpada ou inocente das histórias espalhadas a seu respeito, certifique-se de que todas as atitudes necessárias e requeridas nesta situação foram tomadas. Seu pecado foi confessado e abandonado? Como está sua consciência diante de Deus? Qual o seu estado, nesta situação, diante dAquele que realmente importa? Não se preocupe tanto com o que estão falando sobre você. Talvez você possa fazer pouca coisa, ou nada a respeito. Contente-se e conforte-se em saber que Deus sabe tudo que realmente aconteceu, no que você é culpada e no que é inocente, e que em Suas mãos está o perdão. É na presença dEle que você está o tempo todo, e a Ele prestará contas. Isso deve aquietar e sossegar seu pesaroso coração.

Que ao final desta série você tenha sido tão confrontada quanto eu fui. Que você tenha aprendido a olhar mais para você mesma e seu próprio pecado do que para seu irmão. E principalmente, que tenha um desejo incansável de lutar contra os desejos que militam na nossa carne. Minha oração é que persigamos o alvo de lutar com todas as nossa forças, durante toda a nossa vida, contra os pecados da língua. Que nosso coração seja mestre de nossa boca (Provérbios 16.12), e que ouçamos atentas a repreensão:

“…Todo homem, pois, seja pronto para ouvir, TARDIO PARA FALAR, tardio para se irar.” Tiago 1.9

“A morte e a vida estão no poder da língua; o que bem a utiliza come do seu fruto.” Provérbios 18.21

[4] João Calvino. Comentário do livro de Salmos. Editora Fiel, vol.4, p.482

[5] João Calvino. Comentário do livro de Salmos. Editora Fiel, vol.4, pp.449-500

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simone* Simone Quaresma é casada há 25 anos com o Rev. Orebe Quaresma, pastor da Igreja Presbiteriana de Ponta da Areia em Niterói, Rio de Janeiro. Professora de educação infantil, deixou a profissão para ser mãe em tempo integral de 4 preciosidades: Lucas (23 anos), Israel (22 anos), Davi (19 anos) e Júlia (17 anos). Ela trabalha com aconselhamento e estudos bíblicos com as mulheres da Congregação.