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“E no dia de sábado saímos fora das portas, para a beira do rio, onde se costumava fazer oração; e, assentando-nos, falamos às mulheres que ali se ajuntaram. E uma certa mulher, chamada Lídia, vendedora de púrpura, da cidade de Tiatira, e que servia a Deus, nos ouvia, e o Senhor lhe abriu o coração para que estivesse atenta ao que Paulo dizia. E, depois que foi batizada, ela e a sua casa, nos rogou, dizendo: Se haveis julgado que eu seja fiel ao Senhor, entrai em minha casa, e ficai ali. E nos constrangeu a isso.” Atos 16:13-15 (Almeida Corrigida e Fiel)

3. A obra salvadora de Deus em sua conversão.

O verso 14 diz sobre Lídia que “o Senhor lhe abriu o coração”. Aprendemos que Lídia e Paulo foram reunidos pela providência de Deus, pela execução dos Seus decretos. Que parte dessa ação providencial do Senhor concorreu para que Lídia ouvisse muito atentamente a pregação de Paulo e agora vemos que “o seu coração foi aberto pelo próprio Deus.” Vejam que não foram as orações de Lídia que abriram seu coração e, certamente, não foi Paulo e a habilidade com que pregou que abriu seu coração. Foi o Senhor que abriu seu coração.

Tenho ouvido aqui e ali a transformação do amor em um bezerro de ouro. Muitos costumam dizer que “quando o amor é sentido, a mensagem é ouvida.” É amor pra cá e amor pra lá como forma de se fundamentar alguma modificação ou extração de conteúdos bíblicos mais fortes, mais pesados, na exposição da Escritura. Isso soa bem, não é? Essa é a boa filosofia, a boa psicologia, mas uma teologia ruim, muito ruim. Porque? Vejamos! Quem amava mais do que o nosso Senhor? Sua mensagem foi bem recebida? Nós sabemos que a reação à mensagem do Senhor foi pendurá-lo em uma cruz depois de um terrível castigo físico e moral. Ou, pense naquele que foi um seu imitador, o Apóstolo Paulo. Ele era um homem de amor? Ora, ele era um homem de amor que, quando escreveu aos tessalonicenses, falou sobre como eles foram guardados em seu coração e como ele deu a si mesmo de todo o coração para eles. Ele enfatiza isso. Como eles responderam a Paulo? Não, eles não respondem. Eles o expulsam da cidade, o apedrejam em Listra.

Por uma questão de fato, quando o amor é sentido, a mensagem não é necessariamente ouvida. Não somos contra o amor, pelo contrário. Mas somos contra a idolatria do amor. Devemos sempre ter em vista o cuidado com que o Evangelho deve ser pregado. E a sua fiel exposição diz muito sobre o quanto estamos pregando com amor, um amor que é antes colocado corretamente em Deus e Sua glória e dessa forma verdadeiramente uma expressão de amor aos ouvintes. Mas é preciso também ter em mente que a resposta à mensagem de Deus não vem dos pulmões do pregador, de seu grande amor pelos ouvintes, de sua eloquência apaixonada e arrebatadora, porque não vem. A resposta vem do trabalho fundamental do Espírito Santo em abrir os corações dos homens. Essa operação é algo muito importante. Não devemos esquecer que a salvação de Lídia foi do Senhor.

Paulo certamente pregou para muitas pessoas que ouviram, mas que não entenderam o Evangelho porque seus corações duros não foram capazes de recebe-lo. A uma verdade importante aqui: ninguém nunca vai voltar para o Senhor até que tenham sido devolvidos ao Senhor pelas operações poderosas de Sua própria graça para com eles, sobre eles, e neles. O coração de Lídia foi “aberto por Deus”, porque era uma Eleita do Senhor e para que ela entendesse o Evangelho de modo a ser a primeira resgatada do Senhor em toda a Europa. A cegueira dos corações duros é explicada por Paulo em 2ª Coríntios 4:3-4: Mas, se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus.” Mas Paulo também disse: “Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo.”

Essa é a salvação do Senhor que alcançou Lídia, a primeira resgatada entre os europeus. Essa é a salvação que alcança todos os resgatados do Senhor[1] É o Espírito Santo quem prepara o campo para receber a boa semente do evangelho. Somente pela atuação direta do Espírito é que a Palavra de Deus germina, cresce e frutifica.

4.  O papel de Lídia na Igreja que estava surgindo.

Além de abrir as portas de seu coração, ela abriu também as portas da sua casa para a Palavra de Deus. A mensagem de Paulo a ajudou e ela agora queria ajudar aos homens de Deus. E ali, naquela casa começou a igreja de Filipos. Lá era um ponto de pregação, oração e de ensino da verdade. A significativa contribuição de Lídia para a igreja nascente era sua hospitalidade! E acredite – esta não era a coisa mais natural a se fazer naqueles dias. Esta não era a coisa mais óbvia a se fazer depois de toda a perseguição que a jovem Igreja cristã já havia passado e ainda passava.

A tragédia do primeiro mártir, Estevão, e a dispersão dos jovens cristãos em todo o Mediterrâneo mostraram às pessoas, o quão perigoso ainda era seguir a Jesus. No entanto, Deus não abriu apenas o coração de Lídia, mas muito mais. O pacto do Senhor impede-nos da fé privada praticada por muitos em nossos dias, porque nos dispõe a uma fé corporativa, comunitária, familiar e no meio disso tudo individual. A casa de Lídia agora também era parte importante na fé pactual na qual ela foi incluída pelo Senhor antes da fundação do mundo e agora inserida no plano temporal. A hospitalidade é parte muito importante da mutualidade do povo da Aliança. O autor aos Hebreus nos adverte quanto isso dizendo: “Não vos esqueçais da hospitalidade, porque por ela alguns, não o sabendo, hospedaram anjos.”

Os movimentos da providência do Senhor certamente envolve a mutualidade na hospitalidade. É preciso esclarecer, que o papel e a importância de Lídia se deram como uma auxiliadora idônea no meio do povo de Deus, não sendo legítimo o argumento de alguns de que ela teria sido uma pastora ou anciã na nascente Igreja de Filipos. Ora, o foco da Escritura em muitas mulheres que acolheram em suas casas é a prática da hospitalidade. O que mais se pode concluir sobre as mulheres em cujas casas as igrejas se encontravam, como Lídia, Maria (Atos 12:12), Priscila (Romanos 16:5), Cloé (1 Coríntios. 01:11 ) e Ninfa (Cl 4:15) em termos de suas posições? Isso implica que elas exerceram autoridade espiritual sobre a congregação em seu meio? Claro que não. A hospedagem de uma igreja em um lar não justifica ignorar as qualificações para os anciãos (1 Timóteo 3, Tito 1).

Seria realmente possível acreditarmos que Lídia, uma nova convertida, teria sido indicada como um ancião da igreja local, ou ainda pior uma pastora, “ministra da palavra e dos sacramentos”? Isso simplesmente porque ela abriu sua casa para Paulo e seus companheiros? Não, certamente que não! Lídia apenas cumpriu com seu dever pactual da prática da mutualidade e da hospitalidade, como cooperadora do Evangelho e do Reino do Senhor. Ela ofereceu sua casa grande para Paulo e seus companheiros como sede enquanto permaneceram em Filipos. Isso, porque mesmo diante das dificuldades apontadas em razão da perseguição, esta era uma prática comum no mundo romano, especialmente entre os cristãos, uma vez que as instalações e habitações eram poucas e desagradáveis (cf. Rm 12:13;. 1 Pedro 4:9.).

Há na verdade, aqui, a hospitalidade como um envolvimento na missão. E isso é muito útil em nossos dias também. Temos deixado de hospedar pregadores visitantes em nossas casas, hospedando-os em hotéis. Isso impede a criação de laços de comunhão, de afetos mais íntimos que podem proporcionar uma parceria maior no ministério e na vida dos envolvidos. Na Escritura, frequentemente é mencionado os nomes dos anfitriões, que abriram suas casas para missionários viverem e ou ficarem para refeições ou reuniões: Simão (9:43), e Simão Pedro (10:23), Cornélio (10:48), Maria (12:12), o carcereiro de Filipos (16:34), Jasom (17:5-7), Áquila e Priscila (duas vezes: 18:2-3, 26), Tício Justo (18:7), Filipe (21:8), Mnason (21:16), e Publius (28:7). Essa não era apenas uma disposição que o Senhor produziu no coração de Lídia. A Igreja que nasceu eu Filipos era assim, forte e unida. Em Filipenses 4.15-16, Paulo reconhecido e agradecido diz: “Também vós sabeis, ó filipenses, que, no princípio do evangelho, quando parti da Macedônia, nenhuma igreja comunicou comigo no sentido de dar e de receber, senão vós somente; porque estando eu ainda em Tessalônica, não uma só vez, mas duas, mandastes suprir-me as necessidades”. 

Hoje isso não tem sido fácil! As pessoas estão cada vez mais ocupadas e guardando suas vidas de maneira cada vez mais privadas. Muito do que costumávamos fazer em casas está sendo feito em restaurantes e hotéis. Como podemos fazer como Lídias e tantos outros, tornando nossas casas significativas para a missão como eram no primeiro século? É preciso que resgatemos nossos lares para um viver pactual. Isso envolve desde a prática do culto doméstico quanto abrirmos nossos corações e lares para que outros possam beneficiar-se de nossa hospitalidade. E as auxiliadoras são fundamentais à hospitalidade, muito necessárias ao desenvolvimento missionário da Igreja do Senhor. Por todo o mundo, centenas de congregações existem por causa da influência e preocupação de mulheres piedosas.

No plano de Deus, não somos mais importantes que Sua própria maneira de executar suas determinações. O que Deus determina e o que Deus faz são o mais importante. E segundo as Escrituras não cabem às mulheres ocupar os púlpitos, mas a Igreja jamais deve prescindir do indispensável papel que essas irmãs piedosas têm a desempenhar como auxiliadoras, com seus corações postos pelo próprio Senhor sempre prontos à mutualidade e à hospitalidade.

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[1] Ver Jeremias 31:1-10 e Isaías 35.

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* O Pr. Dilsilei Monteiro é bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Presbiteriano de Brasília e em Direito pela Universidade Federal de Goiás (Direito – UFG); Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Castelo Branco (UCB – RJ) e Docência do Ensino Superior pela Universidade Gama Filho (UGF-RJ); Extensão em EaD e Planejamento de Cursos pela EST (EST-RS); Mestrando em Teologia Sistemática pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie – Centro de Pós-graduação Andrew Jumper (CPAJ-SP). Atualmente é pastor auxiliar na 1ª Igreja Presbiteriana de Ceilândia (DF). Leciona disciplinas de Teologia Sistemática no Seminário Presbiteriano de Brasília e em cursos de teologia de outras instituições do Distrito Federal.