A Bíblia é diferente de qualquer outro livro de muitas maneiras. Enquanto em diversas literaturas o papel da mulher por vezes é colocado em disputa com os homens, na Escritura não é assim. Nela as mulheres são mencionadas sempre exercendo o papel para o qual o Senhor as designou e em claro reconhecimento da dignidade desse papel, o de auxiliadoras idôneas. Eva, Sarah, Rebeca, Raquel, Rute, Ester, e muitas outras mulheres são mencionadas nas páginas do Antigo Testamento. Rute e Ester são até mesmo os nomes de dois livros do Antigo Testamento. No Novo Testamento, ocorre a mesma coisa, mulheres apontadas em sua dignidade e importância como auxiliadoras idôneas, onde lemos das mulheres com relação a Cristo através de seu ministério – Sua mãe, Maria, Maria Madalena, Marta e Maria, a mulher pega em adultério, a mulher em cativeiro por Satanás, a mulher com fluxo de sangue, a mulher no poço, a mulher que beijou seus pés – e muitas outras.

Os Atos dos Apóstolos, a historiografia de Lucas do início do Cristianismo, é especialmente concentrado no trabalho missionário de Paulo e Pedro. Em toda a narrativa que é desenvolvida, a providência do Senhor aparece em destaque nas atividades de muitos discípulos do Senhor Jesus, com destaque para mulheres. No tocante à participação no surgimento de igrejas, duas mulheres que contribuem significativamente e são destacadas são Priscila em Corinto e a nossa personagem Lídia, em Filipos. Neste artigo nos ocuparemos da história de Lídia, a primeira eleita do Senhor alcançada na Europa.

Sua história está registrada por Lucas em Atos 16. Neste texto, ele faz a descrição da conversão de duas famílias, de um carcereiro e de Lídia, e apenas como amostras do lugar que o evangelismo teve em Filipos. Pela sequência do texto nós sabemos que, enquanto Lídia foi salva no que parecia ser a primeira vez que Paulo pregou no “lugar de oração”, eles voltaram lá diariamente (versos 16-18). O texto também afirma que depois de Paulo e Silas saírem libertados da prisão de Filipos, eles foram primeiro para a casa de Lídia, onde viram e encorajaram “os irmãos” (verso 40). Parece, portanto, que houve uma série de outros convertidos, cuja conversão não é descrita pelo texto. É certo que muito mais aconteceu em Filipos do que aquilo que é dito por Lucas. O que nos é dito é seletivo, e torna-se a nossa tarefa de determinar o propósito de Lucas.

Neste capítulo 16, Lucas registra três incidentes separados, mas relacionados. O primeiro é a conversão de Lídia (16:13-15). O segundo é o encontro com a escrava possessa por um espírito de adivinhação, de quem eventualmente Paulo expulsa o demônio (versos 16 ss.). O terceiro incidente é a conversão do carcereiro de Filipos e sua família. A conversão da casa de Lídia é a primeira e do carcereiro e sua família são as últimas conversões nesta passagem pela cidade, conforme o que nos é dito. Nós nos ocuparemos da primeira conversão e dos princípios e lições importantes que encontramos nesta história relatada por Lucas, tanto para as mulheres que leem este blog, como para qualquer cristão.

1. O trabalho da providência em sua conversão.

A providência de Deus, de acordo com o Dr. Henry C. Thiessen, significa: “a atividade contínua de Deus que faz com que todos os eventos físicos, mentais e morais alcancem Seus propósitos”[1] A doutrina da Providência é tratada na CFW no capítulo V e em nosso Catecismo Maior a partir da pergunta 18 que segue:

         18. Quais são as obras da providência de Deus?

        “As obras da providência de Deus são a sua mui santa, sábia e poderosa maneira     de preservar e governar todas as suas criaturas e todas as suas ações, para a sua própria glória.”

Um dos grandes textos sobre a providência é Romanos 8:28: “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.” E se observarmos bem a história de nossa personagem, veremos como a providência de Deus trabalhou em sua vida e em torno dos seus e da Igreja do Senhor.

Paulo, acompanhado por colaboradores em sua primeira viagem à Europa, encontra Lídia em Filipos, uma importante colônia romana na Via Egnatia, a rota principal entre Roma e Bizâncio. O encontro dos missionários e Lídia é aqui narrado em primeira pessoa: “E dali para Filipos, que é a primeira cidade desta parte da Macedônia, e é uma colônia; e estivemos alguns dias nesta cidade. E no dia de sábado saímos fora das portas, para a beira do rio, onde se costumava fazer oração; e, assentando-nos, falamos às mulheres que ali se ajuntaram. E uma certa mulher, chamada Lídia, vendedora de púrpura, da cidade de Tiatira, e que servia a Deus, nos ouvia, e o Senhor lhe abriu o coração para que estivesse atenta ao que Paulo dizia. E, depois que foi batizada, ela e a sua casa, nos rogou, dizendo: Se haveis julgado que eu seja fiel ao Senhor, entrai em minha casa, e ficai ali. E nos constrangeu a isso.” (Atos 16:12-15).

Quando Paulo chegava a um lugar, se dirigia primeiro a uma sinagoga, para pregar aos judeus a mensagem de Jesus. Em Filipos não havia sinagoga porque para a lei judia, tinha que haver dez homens para poder-se abrir uma. Por isso Paulo nessa cidade encontra um grupo de mulheres que se reuniam à beira de um rio.

Entre elas esta Lídia, que trabalhava na indústria de tintura de cor púrpura. Isso não era de pouca importância, visto que na Bíblia aparecem usando púrpura, os reis (Juízes 8.26), sacerdotes (Êxodo 39.1) e pessoas de boa posição (Daniel 5.7). Ela era da cidade de Tiatira, situada na Asia Menor, centro industrial dessa tintura; Lídia provavelmente era uma viúva e no momento do encontro com Paulo, estava radicada em Filipos por conta de seu negócio.

Para nossa aplicação, é muito interessante observamos o que antecedeu este encontro. Dos versos 6 até o 14 veremos que houve uma sucessão de impedimentos e “coincidências” que nos mostram a direção providencial do Senhor para este encontro. O verso 6 nos informa que o apóstolo Paulo foi detido pelo Espírito Santo quanto a ir anunciar a palavra à província romana da Ásia; no verso 7, ele estava prestes a ir para a Bitínia e novamente o Espírito de Deus o deteve; no verso 9, então, à noite o Senhor enviou a Paulo uma visão chamando-o para ir à Macedônia, na Grécia. E assim o Senhor encaminha o encontro.

É muito interessante, visto que Lídia não era Macedônia. Sua terra de origem era a terra para onde Paulo foi impedido de ir. E foi ali, naquela terra estranha, que ouviu o Evangelho e converteu-se. Era assim que Deus tinha planejado tudo e agora executado por Sua providência. Como isso se aplica a você? à mim? O que aconteceu foi pela providência de Deus. A grande lição nessa história não diz respeito ao que Lídia fez, ao que Paulo fez, mas ao que Deus fez e faz.

Assim, é certo que a salvação de uma alma, a quem Deus predestinou para a salvação antes da fundação do mundo (Ef 1:4-5), não é deixado ao acaso!

Nada acontece aleatoriamente, nada ocorre por acaso. Você visitou esse blog hoje e está lendo esse texto agora pela providência de Deus. Deus é o Senhor da história. Ele não apenas a conta, Ele a faz.

2. A importância de Lídia nos fatos em torno de Sua conversão.

O texto diz: “E uma certa mulher, chamada Lídia, vendedora de púrpura, da cidade de Tiatira, e que servia a Deus, nos ouvia …” (Atos 16:14).

Lídia era uma gentia convertida ao judaísmo. O termo traduzido como “temente a Deus” (16:14; ver 10:02; 13:16, 26, 50) indica que era parte de um grupo de gentios simpatizantes do judaísmo. Ela passou a crer no Deus dos judeus, embora ainda não fosse plenamente um prosélito ao judaísmo. Paulo e seus colaboradores vieram até esse grupo de mulheres e a Escritura diz que Lídia “estava ouvindo.”

Costumamos dizer que não há nada que um homem ou mulher possa fazer para ser salvo e isso é verdade. Mas naquilo que o Senhor faz para a execução de Sua providência e no resgate dos Seus eleitos está algo muito importante: Ele “nos faz ouvir”. Essa sempre será a evidência de uma postura dirigida pelo Senhor: “ouvir”! Aqueles que estão sendo conduzidos pelo Senhor ou para serem salvos ou para serem edificados depois de salvos, são conduzidos a “ouvir” seja no domingo de manhã e à noite em alguma igreja do Senhor, seja numa terça-feira em uma reunião de oração na casa de algum irmão. Assim é que muito embora você não possa salvar-se, ou abrir o seu próprio coração, mas todos nós podemos pelo menos ser bons ouvintes como fez Lídia. Você pode encontrar-se com o povo de Deus a cada semana e nos ouvir!

A propósito disso que estou falando, existem não apenas pessoas não salvas que não são bons ouvintes, mas há também crentes que a cada semana sentam-se nos bancos da Igreja e fingem que estão ouvindo, estão “ausentes de corpos presentes.”. É preciso nos lembrar da recomendação de Paulo aos Filipenses: Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.” (Filipenses 2:12-13). Ora, é o Senhor quem opera? Sim. Devemos ficar parados? Não. A Bíblia diz, ainda: “Como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se não há quem pregue?” (Romanos 10:14). É importante luta e esforço para ouvir os sermões. Esse é o maior meio de graça pelo qual os pecadores são convertidos. E é preciso ser “ouvintes”, salvo ou não.

A este respeito, Jonathan Edwards nos diz que “na graça eficaz não somos meramente passivos, nem ainda Deus faz um pouco e nós fazemos o restante. Mas Deus faz tudo, e nós fazemos tudo. Deus produz tudo, e nós agimos em tudo. Pois é isso que Ele produz, isto é, os nossos atos. Deus é o único verdadeiro autor e a única verdadeira fonte; nós somos tão-somente os verdadeiros agentes. Somos, em diferentes aspectos, totalmente passivos e totalmente ativos”.[2] É Deus quem opera todas as coisas e o homem é passivo, isto é, ele não pode gerar nada; mas o homem é convocado a prestar (a reagir) com obediência, portanto, o homem é ativo porque a graça não viola a nossa constituição. E Lídia agiu, ela “ouvia” atentamente o que Paulo pregava.

Leia a Parte 2 Aqui.

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[1] Henry C. Thiessen, Lectures in Systematic Theology, Eerdmans Publishing Company, 1949 edição, p. 177.

[2] Freedom of the Will, versão em pdf.

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* O Pr. Dilsilei Monteiro é bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Presbiteriano de Brasília e em Direito pela Universidade Federal de Goiás (Direito – UFG); Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Castelo Branco (UCB – RJ) e Docência do Ensino Superior pela Universidade Gama Filho (UGF-RJ); Extensão em EaD e Planejamento de Cursos pela EST (EST-RS); Mestrando em Teologia Sistemática pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie – Centro de Pós-graduação Andrew Jumper (CPAJ-SP). Atualmente é pastor auxiliar na 1ª Igreja Presbiteriana de Ceilândia (DF). Leciona disciplinas de Teologia Sistemática no Seminário Presbiteriano de Brasília e em cursos de teologia de outras instituições do Distrito Federal.