OLYMPUS DIGITAL CAMERAJoão Calvino era dedicado às Escrituras e à igreja. Ele enfatizava a soberania de Deus e o viver cristão em suas pregações e escritos, e era cercado por muitos fiéis amigos cristãos. Não surpreendentemente, ele também teve um casamento muito feliz. No entanto, encontrar uma companheira adequada provou ser uma tarefa assustadora para Calvino. Muitos de seus bem-intencionados amigos e familiares tentaram arranjar casamentos para ele, e todas as vezes Calvino foi desapontado. Finalmente, ele quase se submeteu ao celibato. Quando o amigo de Calvino, Guilherme Farel, escreveu-lhe para contar sobre mais uma possível esposa, Calvino respondeu: “Eu não pertenço a esse tolo grupo de amantes, que estão dispostos a cobrir até mesmo as falhas de uma mulher com beijos, tão logo tenham caído por sua aparência externa. A única beleza que me encanta é que ela seja virtuosa, obediente ao invés de arrogante, econômica, e paciente, e que eu possa contar que ela cuide da minha saúde”. Quando Calvino finalmente se casou com Idelette van Buren, ele encontrou a única coisa necessária pela qual esteve procurando: um coração sincero e obediente, piedoso para com Deus. Para Calvino e Idelette, tal piedade era fundamental para enfrentar as dificuldades e os desafios da vida de casados. Embora pouco se saiba da vida de Calvino e Idelette no lar, ao que tudo indica, ela era serena e piedosa apesar de suas muitas tragédias e dificuldades. Ao examinarmos a vida de Idelette com Calvino, vamos nos focar em várias lições que podemos aprender com o seu exemplo piedoso. Pois, em Idelette, vemos o que pode ser chamado de modelo para o casamento cristão. É o padrão de vida santa que Colossenses 3:12 diz incluir “misericórdia, bondade, humildade, mansidão, longanimidade; suportando uns aos outros, e perdoando uns aos outros”. Estes ingredientes, que permearam o casamento de João e Idelette, ainda nos oferecem hoje uma variedade de maneiras úteis de enriquecer e abençoar nosso casamento.

  • Côrte

Os deveres de Calvino como pastor e reformador eram demais para sua saúde. Ele contraiu tantas doenças por causa de sua pesada carga, que seus amigos o persuadiram de que ele precisava de uma companheira para aliviar alguns afazeres da vida doméstica. Calvino tinha vários alunos vivendo com ele, alguns poucos aposentados (pensionistas), e uma ranzinza governanta com um filho. O bom amigo de Calvino, Guilherme Farel, tentou duas vezes encontrar para ele uma esposa que correspondesse ao seu ideal bíblico. Por fim, Martin Bucer sugeriu a viúva Idelette van Buren (possivelmente de Buren, na província holandesa de Gelderland) como candidata adequada. A esta altura, Calvino estava pronto a permanecer solteiro para o resto de sua vida. Depois de considerar a sugestão de Bucer, no entanto, Calvino percebeu que Idelette, de fato, aparentava ter o caráter que ele procurava. Idelette era uma jovem viúva com dois filhos pequenos. Seu falecido marido, Jean Stordeur, um marceneiro de Liège (uma “daquelas cidades da Holanda, nas quais o despertamento havia sido mais extraordinário”, D’Aubigne escreve), contraiu a peste em 1540, um pouco mais do que um ano depois da chegada de Calvino à cidade, e morreu dentro de alguns dias. Os Stordeurs viviam em Estrasburgo, que era um refúgio para os cristãos que fugiam da perseguição romana. Eles eram anabatistas, os quais foram rejeitados pelos católicos romanos, pelos luteranos, e igualmente pelos reformadores. É possível que Idelette fosse filha de um famoso anabatista, Lambert van Buren, que em 1533 foi condenado por heresia, teve suas propriedades confiscadas, e foi banido de Liege. Além de não acreditarem no batismo infantil, os anabatistas defendiam vários ensinamentos que os diferenciavam dos da Fé Reformada. Por exemplo, os anabatistas acreditavam que não deveriam participar no governo ou lutar em guerras. Eles também acreditavam que nunca deveriam fazer um juramento, mesmo em um tribunal. Em alguns casos, os anabatistas tentavam separar-se do mundo, estabelecendo suas próprias comunidades. Embora Jean Stordeur e Idelette não pertencessem à ala radical dos anabatistas, em geral, os anabatistas eram radicais em comparação com outras expressões de fé da Reforma. Alguns deles enfatizavam a vida espiritual em detrimento da Escritura e da sã doutrina. Outros tomavam medidas radicais para promover suas crenças, até ao ponto da violência. Curiosamente, Calvino ajudou a suprimir o anabatismo, através de seus escritos e apoiando o aprisionamento e banimento de alguns de seus membros mais radicais. Quando Calvino e Farel foram expulsos de Genebra, em 1538, Calvino começou a pregar na igreja francesa de Estrasburgo, onde Jean e Idelette participaram dos cultos. Quão desejosos eles deveriam  estar de ouvir Calvino, que já era bem conhecido por escrever as Institutas da Religião Cristã. Convencidos da verdade Reformada, Jean e Idelette rapidamente deixaram os anabatistas e juntaram-se à igreja de Calvino. Lá, eles adquiriram um amor pela Escritura e pelo lugar central que ela detinha no culto. Eles também desfrutaram de pregação clara, de cuidado pastoral, e da calorosa amizade de seu líder. Nesse tempo, Idelette já exibia um forte compromisso com Cristo e um espírito ensinável. Em vez de se ressentir da severa política de Calvino contra os anabatistas, ela leu as Institutas e aprendeu a apreciar a devoção de Calvino à Palavra de Deus. Ela e seu marido foram a muitas exposições diárias da Bíblia por Calvino. Eles também foram muito hospitaleiros para com Calvino. Calvino desfrutava da amizade deles e considerava-os, como eles se chamavam, seus discípulos. Ele admirava “a simplicidade e a santidade da vida deles”. A morte de Jean Stordeur foi um golpe profundo para Idelette. Ela não apenas perdeu seu querido marido, com quem ela estava unida de tantas formas, mas ela também não tinha como sustentar a si e aos seus filhos como viúva. Logo após a morte de Stordeur, Bucer perguntou a Calvino: “E a amável Idelette?” Embora Calvino tenha anteriormente pensado em Idelette como uma querida irmã em Cristo, ele, agora, começou a reconsiderar aquela relação. Enquanto trabalhava duro para expandir as Institutas de seis capítulos para dezessete, ele deve ter periodicamente ouvido o eco: Por que não Idelette? Afinal, a mulher era piedosa, gentil e inteligente. Embora ela fosse alguns anos mais velha do que Calvino, ela era surpreendentemente jovem e atraente. Machiel van den Berg observou que “o extrovertido Farel expressou seu espanto por ela ser uma mulher tão bonita!” Em última análise, porém, era o fruto evidente de Colossenses 3:12 na vida Idelette que impressionava Calvino, que perseguia a piedade em todos os aspectos de sua própria vida. Calvino havia apreciado a hospitalidade de Idelette tanto antes quanto depois de seu primeiro marido falecer. Essas visitas aumentaram quando Calvino começou formalmente a cortejar Idelette. Poucos meses depois, em 17 de agosto de 1540, Calvino casou-se com Idelette, levando-a  e a seus filhos (um menino e uma menina) para sua casa. Amigos vieram de perto e de longe para participar do casamento de Calvino. Lição 1: Uma das primeiras lições que podemos aprender com a nova esposa de Calvino é a importância de ter uma fidelidade total e uma humilde submissão às Escrituras, bem como um espírito dócil e hospitaleiro. Com muita frequência hoje em dia as pessoas são mais governadas pela tradição do que pela Escritura. Elas não estudam a Palavra por si mesmas nem procuram aprender e crescer sob a fiel pregação expositiva da Palavra. E você? Você está humildemente se submetendo às Escrituras? Você demonstra um espírito ensinável? Você é hospitaleira e amável com os outros?

Continua…

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joel beeke*Esse artigo foi publicado originalmente no PRTS journal (2010). Traduzido e publicado em português com permissão do autor. **Dr. Joel Beeke é presidente e professor de teologia sistemática no Puritan Reformed Theological Seminary (EUA). É pastor da Heritage Netherlands Reformed Congregation, editor da Banner of Sovereign Grace Truth, diretor editorial de Reformation Heritage Books, presidente da Inheritance. Foi co-autor, escreveu ou editou mais de 50 livros, dentre os quais, “Vivendo para a Glória de Deus” e “Vencendo o Mundo”. Obteve seu Ph.D. em Teologia da Reforma e Pós-reforma no Westminster Theological Seminary. Ele é convidado freqüentemente para lecionar em seminários e pregar em conferências ao redor do mundo. Ele e sua esposa, Mary, foram abençoados com três filhos: Calvin, Esther e Lydia.

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** Tradução: Arielle Pedrosa