Há muitos textos na Bíblia que descrevem o relacionamento entre pais e filhos. Um dos primeiros textos sobre o assunto encontra-se em Gênesis 2:24, onde lemos: “Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne”.

Esta passagem foi pronunciada antes do primeiro homem pecar, quando o casamento foi instituído por Deus. No entanto, é repetida por, no mínimo, três vezes no Novo Testamento enfatizando a estabilidade do casamento em Mateus 19 e Marcos 10 e a sua beleza em Efésios 5. Curiosamente, Deus fez a declaração de deixar pai e mãe bem antes de Adão e Eva terem filhos! Deus deu este modelo para o casamento antes que houvesse filhos a fim de instruir nossos primeiros pais sobre o seu futuro relacionamento com eles.

Há também vários outros textos que falam sobre a importância de honrar os pais: “Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor, pois isto é justo” (Ef 6:1); e “Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR, teu Deus, te dá” (Ex 20:12).

Assim sendo, tanto os pais cristãos como seus filhos casados podem ter alguma dificuldade em equilibrar os conceitos de “deixar e unir” e honrar aos pais. Este é um assunto presente nas reuniões de aconselhamento pré-nupcial. No entanto, não é um tema que diz respeito apenas ao jovem casal. É importante para seus pais avaliarem o tipo de relacionamento que têm com seus filhos casados. É pena que muitos pais cheguem ao ponto de romper o relacionamento com os filhos casados, o que pode ser evitado se formos sábios em nossos relacionamentos.

Gênesis 2:24 instrui os filhos a deixarem pai e mãe, a se unirem à sua esposa e a se tornarem uma só carne. Podemos extrair princípios deste texto no que diz respeito ao relacionamento com filhos casados assim como alguns conselhos práticos.

Princípios

O relacionamento pais-filhos é temporário e inclui um “deixar”. Embora tenhamos responsabilidades para com nossos filhos e eles para conosco devemos reconhecer que parte desse relacionamento é temporário. Como pais, precisamos preparar nossos filhos para seus futuros cônjuges quando deixarem o nosso lar. Há pais que lidam com os filhos casados com base em um relacionamento de quando eram ainda crianças, ou seja, exigem obediência, dependência ou unidade emocional do filho para com eles em vez de direcioná-los ao cônjuge que escolheram para si. Fazendo isto, se intrometem e violam o “deixar” dos filhos podendo causar desafios para o relacionamento conjugal deles.

O fato de marido e mulher deverem se unir um ao outro nos ensina que este relacionamento se torna a mais importante relação humana neste lado da eternidade. Literalmente, a palavra traduzida por “unir” em algumas traduções dá a ideia de ser colado junto. Esta união indica tanta proximidade que não pode haver nenhum relacionamento mais estreito que o de marido e mulher; nem com amigos de longas datas, nem com qualquer dos pais. Alguns problemas familiares surgem quando esses papéis são invertidos e o relacionamento pais-filhos é tratado como o relacionamento mais importante.

Eles se tornarão uma só carne. O casamento toma duas pessoas distintas e faz deles um novo indivíduo com uma única identidade. O compartilhamento e o entrosamento vivenciado em tantos aspectos (espiritual, físico, emocional, intelectual, financeiro, social) é tão intenso que o indivíduo, resultado dessa partilha, é melhor descrito como “uma só carne”. Isso só enfatiza ainda mais a primazia do casamento sobre todos os demais relacionamentos.

Além destes três aspectos de Gênesis 2:24 também há admoestações nas Escrituras sobre honrar aos pais incluindo tratá-los com atitude respeitosa (Pv 30:11, 17), obedecê-los enquanto se submeterem à Lei de Deus (“no Senhor” Ef 6:1) e cuidar deles quando ficarem idosos (Mc 7:10-12; 1 Tm 5:4-8).

Conselhos

  • Deixe-os formar sua própria unidade familiar sozinhos

Aceite a realidade de que seus filhos cresceram e têm uma nova unidade familiar. A Bíblia afirma que os recém-casados devem ficar sozinhos por um ano. Os princípios em que se baseiam esse mandamento tem validade ainda hoje (Dt 24:5). Quando duas pessoas de contextos diferentes se unem, elas precisam ajustar muitas coisas. E, quando a interferência do resto da família se soma a essa mistura, cria uma pressão adicional desnecessária sobre os recém-casados e demais familiares.

  • Não crie grandes expectativas

Tenho encontrado muitos pais profundamente feridos por conta das expectativas (às vezes irracionais) que criaram a respeito dos filhos e que foram frustradas. Alguns pais pressionam excessivamente seus filhos, às vezes cobrando visitas mais frequentes privando o jovem casal de ter mais tempo juntos. É melhor adotar a política da “porta aberta” para seus filhos virem à sua casa quando quiserem sem desenvolver qualquer expectativa explícita ou implícita de visitas regulares. Lembre-se que a dedicação e o carinho do seu filho/filha agora são primeiramente em relação ao cônjuge. Isto significa que eles precisam de mais tempo para desenvolver sua vida familiar particular. Além disso, lembre-se de que agora eles vão visitar duas famílias: a sua e a do cônjuge e precisarão dividir o tempo deles.

  • Não dê conselhos que não foram pedidos. JAMAIS!

Só dê conselhos se forem solicitados e guarde-os apenas para essa ocasião. Tentar impor sua vontade sobre sua “menininha” recém-casada ou dizer ao seu filho o que ele deve fazer facilmente pode criar problemas. Não coloque seus filhos em situação embaraçosa tendo que escolher entre você e seus cônjuges. Entenda que eles cometerão erros e seu papel agora é o de aconselhá-los quando pedirem ou de orientá-los onde encontrar ajuda. O fato de você aconselhar não significa que eles terão que aceitar seu conselho. Não aceitar seu conselho ou agir diferente do que você ensinou não significa, necessariamente, que eles estão fazendo alguma coisa errada; significa que eles estão formando a sua própria unidade. Em alguns momentos da nossa vida como pais, só podemos orar e esperar que os princípios que ensinamos nos anos de sua formação finalmente os ajude a tomar as melhores decisões na vida quando não estivermos com eles.

  • Não permita que seus filhos sejam mais dependentes emocionalmente de você que do cônjuge deles;

Quando há maior compartilhamento de apoio emocional entre pais e filhos do que entre marido e mulher a unidade conjugal fica ameaçada resultando em desequilíbrio antibíblico. Quando nossos filhos compartilharem suas lutas conosco, devemos sempre ter certeza de que eles já conversaram com seus cônjuges primeiro. Quando eles lhe falarem sobre uma decisão que precisam tomar pergunte-lhes o que seu cônjuge pensa a respeito, antes de dar a sua opinião. Em todo caso, dê prioridade à relação marido e mulher sobre o relacionamento pais e filhos.

  • Respeite o território deles: deixe-os governar a própria casa;

Eles terão regras em seus lares que poderão ser diferentes das que você tem em sua casa. Não pense que você precisa concordar ou discordar a esse respeito. Deixe-os tomar suas próprias decisões. Ouça educadamente e com muita atenção o que eles têm a dizer sobre suas decisões. Isto significa que você respeita o que pensam sobre a criação dos filhos, etc. Não vá de encontro ao que decidiram sobre criação de filhos, nem fique discordando dos seus planos. Trate-os como adultos e, sempre que possível, apoie suas decisões. Isto os encorajará.

  • Não empreste dinheiro a menos que as regras estejam claramente definidas;

Posso lhe contar algumas histórias de como pais tentaram manter o controle sobre os filhos emprestando dinheiro a perder de vista. Geralmente o dinheiro é usado a fim de controla-los. O que toma emprestado sempre se torna servo daquele que empresta. O ideal seria não emprestar dinheiro. Se seu filho ou filha está em situação que necessita de ajuda dê-lhes o dinheiro ao invés de emprestar, se você puder. Há filhos que pensam ter “direito” a tudo o que seus pais adquiriram ao longo dos anos. E há pais que pensam que seus filhos, inclusive os casados, precisam de todo o conforto e luxo que a nossa sociedade oferece, como carros, casas, férias, etc. Não caia nessa armadilha.

  • Não se envolva em nenhuma desavença / discordâncias entre ele e o cônjuge;

A realidade é que os pais nunca conseguem ser imparciais quando se trata de desentendimento entre seus filhos e os respectivos cônjuges. E mesmo que conseguissem ser imparciais não iriam ser vistos assim. Se seu filho ou filha lhe pedir ajuda nessa área diga-lhes simplesmente que você não poderá aconselhá-los sobre tal situação e indique alguém que possa ajudá-lo. Evite qualquer discussão sobre o relacionamento que eles têm. Não fale mal do cônjuge do seu filho a ele. Nunca!

  • Cultive um relacionamento amável, amigável, aconchegante e carinhoso.

Seja otimista quando lidar com seus filhos e respectivos cônjuges. Aceite seus genros e noras como são reconhecendo que pode ser difícil para eles conviver com você também. Desenvolva um relacionamento em que eles se alegrem com a sua chegada, não com a sua saída. Demonstre que você se diverte quando passa tempo com eles e suas famílias e que são gratos por eles. Aceite os cônjuges dos seus filhos como filhos. Seja uma pessoa atenciosa e tenha atitudes gentis.

Devemos reconhecer que podemos fazer tudo certo em relação ao casamento dos nossos filhos e ainda assim ter um relacionamento tenso com eles. Principalmente quando escolhem o caminho do pecado e da impiedade que é resultado de vivermos em um mundo caído e corrompido. Isto nos ensina sobre a necessidade de termos o evangelho em nossos relacionamentos e assim praticarmos o espírito de caridade e perdão tanto quanto possível.

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*Esse artigo foi originalmente publicado na revista The Banner of Sovereign Grace Truth (Julho/Agosto de 2016, pg. 161), traduzido com permissão do editor.

** Rev. John Koopman é Pastor da Free Reformed Church em Chilliwack, Colúmbia Britânica desde agosto de 2011. Ele serviu anteriormente na Free Reformed Church de São Tomás em Ontário, onde foi ordenado no ministério da Palavra em 1999. O Pastor John estudou no Theological College das Igrejas Reformadas Canadenses. Ele ama a pregação prática e aplicada da Palavra de Deus. Sua paixão é que todos amem a beleza da fé reformada que enfatiza a centralidade do Senhor em toda a vida! Ele é casado com Sue desde 1986 e foi abençoado com cinco filhos, Scott (Jen), Ben, Josh (Naomi), Erin e Caleb. Eles têm 4 netos.

***Tradução: Eliete Medeiros da Rocha