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O desafio memorável do voto de Jefté

O voto que Jefté fez não foi nada trivial, apesar de não ter significado matar sua própria filha. Nos dias de Jefté, uma ordem especial de mulheres serviam no tabernáculo de Deus. Elas não tinham permissão para casar nem ter filhos. Parece que Jefté dedicou sua filha para se tornar uma dessas mulheres. Esse é o motivo da ênfase nos últimos versos de Juízes 11 não ser na sua morte, mas na sua perpétua virgindade.

É difícil pra gente entender hoje o sacrifício que Jefte fez em dedicar sua filha a Deus como uma virgem por toda a vida. Afinal, Jefté só tinha uma filha. Se essa filha não se casasse ou tivesse filhos, a linhagem de Jefté não continuaria, o que seria uma cruz muito pesada para qualquer israelita carregar. Ainda mais importante, a família de Jefté nunca poderia dar à luz o Messias, que era o que todo israelita piedoso desejava. A filha de Jefté também carregou o fardo de ser incapaz de gerar filhos da linhagem do Messias; além disso, uma mulher não ser capaz de ter filhos era sinal da maldição de Deus. Maternidade era a maior honra da mulher.

Enquanto Jefté e sua filha respondiam a esse grande desafio de submissão, é a submissão da filha que se destaca como sendo algo particularmente contagiante. Vamos dar uma olhada mais de perto nessa submissão cristã genuina e na sua característica contagiante. O que é verdadeira submissão? Como ela molda as nossas vidas? Como ela é contagiante?

A filha de Jefté nos ensina que genuina submissão cristã não significa simplesmente se dobrar diante da vontade de Deus e estar disposta a abrir mão de qualquer coisa para a Sua gólria. Isso é muito fácil de perceber. Mas a pergunta mais difícil é: como é que nós, pela graça do Espírio Santo, experimentamos e exercitamos isso como cristãos? Vamos dar uma olha mais de perto nessao questão.

O maravilhoso exercício de submissão

Nós não aprendemos a arte da submissão cristã em um dia. Na verdade, nós podemos falar apropriadamente de níveis de submissão. Como numa escada onde o quinto degrau está mais distante que o primeiro, da mesma forma a verdadeira submissão também inclui estágios. As vezes nós damos mais de um enorme passo de submissão, mas na maioria das vezes submissão é um processo variável. Nós descemos a escada da submissão quando paramos de viver perto de Deus, e subimos quando passamos a depender mais  dele. O nosso crescimento em submissão não é sempre certo. Nós progredimos mais em alguns dias do que em outros.

A filha de Jefté, que aparentemente era muito madura em graça, parecia ter progredido bastante em submissão. Isso, sem dúvida, foi o que fez sua fé tão contagiante de forma que a sua dedicação ao Senhor era comemorada pelas filhas de Israel. Vamo dar uma olhada nos cinco estágios de submissão, deixando a filha de Jefté ser a nossa mentora.

1. Reconheça o Senhor

O primeiro passo de submissão é reconher o Senhor dizendo, “Foi o Senhor!” Tanto Jefté quanto sua filha imediatamente reconheceram que a aflição deles era da mão do Senhor. Quando a sua filha saiu pela porta da casa para encontrá-lo, Jefté se entristeceu bastante, mas ele não tinha como dizer “eu retiro o meu voto.” Ele reconheceu que Deus estava intimamente ligado à promessa que ele tinha feito. Então Jefté disse, “porquanto fiz voto ao SENHOR e não tornarei atrás.”(v. 35). Ele estava dizendo “Eu falei ao Senhor, então Deus está falando aqui, Deus é ativo na minha aflição, Deus está envolvido.” A filha de Jefté imediatamente ecoou esse pensamento no verso 36 dizendo: “Pai meu, fizeste voto ao SENHOR”

Reconhecer a Deus é o primeiro passo  para uma submissão cristã verdadeira e contagiante. Se nós não reconhecermos a mão de Deus nas nossas aflições, nós não podemos nos submeter a ele. A verdadeira submissão não culpa o diabo, o homem, o destino ou o acidente como a fonte última de suas aflições, mas reconhece ao Senhor como a fonte primária de todas as coisas, inclusive as aflições. A verdadeira submissão confessa: Emudeço, não abro os lábios porque tu fizeste isso (Sl 39:9).

Um dos grandes lemas dos Reformadores era coram deo, isto é, “na face, ou presença de Deus.” Era uma lembrança de que tudo na vida precisa ser vivido com consciência de que Deus está sempre aqui. Inverta esse lema e nós poderemos dizer “Deus nunca está envolvido”.

Poucos dias depois do episódio das Torres Gêmeas no dia 11 de Setembro, Larry King entrevistou três ministros e um rabino. “A mão de Deus estava nessa tragédia?”, King perguntou. Três dos quatro basicamente disseram: “Não. Deus não poderia ter nada com isso.”Mas John MacArthur disse “Deus tem tudo a ver com isso. Ele está envolvido.”King então procedeu, corretamente, a  desafiar os outos três dizendo que a deidade que eles professavam deveria ser impotente já que ele não tinha como controlar uma tragédia daquelas.”

Como você pode se submeter a um Deus que não tem nada a ver com as suas aflições? Tal submissão seria artificial e sem valor. Não significaria nada. Você não poderia ir a Deus nessas horas porque ele não teria resposta para a sua tristeza ou dificuldade. O máximo que você poderia fazer seria “aceitar e aguentar firme”. Que conforto seria acreditar em um deus que não poderia te confortar nas horas tristes e desafiadoras? Sua vida nunca poderia ser contagiante.

Contrariamente, a primeira coisa que você deve lembrar quando algo terrível acontece a você é : “Deus está aqui; Deus está nisso; É o Senhor!” Robert, aos seis anos, veio visitar o seu avô, um ateu professo. O avô pediu a Robert para ler uma placa acima de sua cama que dizia, “Deus não está em lugar nenhum.” Robert, que estava aprendendo a ler, lutou um pouco. Sem saber uma das palavras, ele mudou uma letra de lugar que transformou o sentido da frase para “Deus está aqui agora.” Deus usou esse incidente para convencer o avô dele do seu pecado. Ele se arrependeu diante de Deus e aprendeu a seguí-lo.

Deus sempre está aqui. Lembrar disso vai te livrar de muitos pecados e vai te ensinar a deixar Deus ser Deus. Deus nos vê tanto em momentos felizes quanto tristes; ele sabe pelo o que nós estamos passando e isso é muito comfortante. É ótimo saber que Deus sempre está aqui para nos livrar do pecado, mas também é maravilhoso saber que Deus está aqui quando nós estamos doentes ou com dores, pois nós sabemos que ele pode nos ajudar.

O primeiro passo para submissão, portanto, é reconhecer que não importa o que aconteça em nossas vidas, “É o Senhor!”

2. Justifique o Senhor

O segundo passo para a verdadeira submissão é justificar o Senhor dizendo: “Isto está certo. O Senhor não comete erros.”No verso 35, Jefté disse Eu não voltarei atrás”, significando que “não seria correto para mim quebrar esse voto. O Senhor é justo em todos os seus caminhos.”A filha de Jefté basicamente disse a mesma coisa: “faze, pois, de mim segundo o teu voto.” Ela estava na verdade dizendo “Isto é o correto – certo para você e justo diante de Deus.” Ela também estava admitindo ser uma pecadora indigna que não merecia as bênçãos do casamento ou maternidade. Seja lá o que lhe acontecesse, tudo estaria debaixo do julgamento do Senhor.

Justificar o Senhor em tudo o que ele faz é um passo acima de simplesmente reconhecer que ele está presente numa situacão triste. Uma coisa é você dizer “Foi o Senhor”, mas algo bem diferente é dizer, “Isto é correto. Eu mereço isso. Eu mereço algo ainda pior.” Por isso, quando aflições nos afligirem, nossa primeira pergunta não deve ser “Por que eu?”mas “por que não eu?”

As Escrituras repetidamente nos mostram que justificar a Deus em seus caminhos é um passo fundamental de fé e submissão. Quando Samuel disse a Eli que os seus filhos seriam tirados dele, Eli disse: “É o Senhor, faça o que bem lhe aprouver” (1 Sm 3:18). Quando Absalão expulsou Davi do trono, Davi disse: “ eis-me aqui; faça de mim como melhor lhe parecer”( 2 Sm 15:26).

Quando eu tinha doze anos, eu estava aborrecido com minha mãe porque parecia que não importava o motivo da minha reclamação, ela dizia que como pecadores nós merecíamos pior. Finalmente, desesperadamente eu disse: “você pode falar que poderia ser pior pra qualquer coisa!”

A resposta dela foi “Exatamente. Porque nós merecemos o inferno, qualquer coisa além da morte e inferno é apenas misericórdia de Deus. Nós nunca temos motivos para reclamar.” Minha mãe estava correta: Deus é sempre misericordiosamente reto e justo. Você também aprendeu isso?

3. Aprove o Senhor

O terceiro passo da verdadeira submissão é aprovar o Senhor dizendo “Tudo bem. A vontade do Senhor é melhor.”

A filha de Jefté deu esse terceiro passo de submissão. Ela estava disposta a ter o voto de seu pai cumprido, ainda que isso significasse que ela iria carregar a maldição da perpétua virgindade. Então ela disse: “pois o SENHOR te vingou dos teus inimigos, os filhos de Amom.”(v.36). Em outras palavras, “se o Senhor vai trocar a minha perpétua virgindade pela vitória que você recebeu, Pai, eu aprovo. Se esse é a vontade do Senhor, então é boa; sim, é melhor, pois sua vontade sempre é a melhor. Ela sabe o que é bom para mim mais do que eu.”

Quão contagiante essa aprovação da vontade de Deus em meio a aflições. Nada impressiona tanto as pessoas quanto quando os crente dizem amém para os caminhos difíceis do Senhor em suas vidas. Quando Jó perdeu seus 10 filhos de uma só vez, ele não disse: “Mas Senhor, será que eu não poderia ter ficado com pelo menos um?” Ao contrário, ele aprovou os caminhos do Senhor dizendo: “O Senhor deu, e o Senhor tomou; bendito seja o nome do Senhor”(Jo 1:21). Jó aprovou completamente os caminhos do Senhor para com seus filhos, até mesmo com as suas mortes. Isto é um submissão contagiante e profunda.

A história da igreja está cheia de mártires que, de um jeito ou de outro, disseram “está tudo bem” enquanto eles enfrentavam suas terríveis mortes. Inácio chamou as correntes que o prendia por ser um Cristão de “doces pérolas”e reconhecia que sofrer pelo Senhor Jesus era um honra.

Você já foi capaz de dizer no meio da sua aflição que o Senhor sabe o que é melhor para você? Você já entregou  alegre e voluntariamente tudo o que você tem para a sua santa e muito sábia vontade?

4. Apegue-se ao Senhor

O quarto passo da verdadeira submissão é agarrar-se ao Senhor dizendo:”Se eu perecer, pereci, mas eu me agarrarei à misericórdia do Senhor.”Não foi isso precisamente o que a filha de Jefté estava dizendo quando ele perguntou ao seu pai no verso 37 “ para que eu vá, e desça pelos montes, e chore a minha virgindade, eu e as minhas companheiras.” Verdadeira submissão não significa que você não irá chorar pelas suas aflições, mas significa que você irá apegar-se ao Senhor nas suas dores. Foi isso que a filha de Jefté fez por dois meses. Ela se envolveu num choro submisso, e não num choro rebelde.

Na verdadeira submissão nós nos agarramos ao Senhor como nosso melhor amigo, mesmo que ele pareça estar contra nós como nosso pior inimigo. Num parque londrino, eu certa vez vi uma mulher arremessar uma bola no seu cachorro repetidamente. Não importava quão rápido ou forte a bola batia no cachorro, mas ele rapidamente pegava e corria para entregar de volta ao dono. Todo comportamento do cachorro era centrado no seu dono. Se você for verdadeiramente submissa, você sofrerá ao jogadas mais fortes do Senhor e também trará de volta para ele mais uma vez. Você dirá como Jó “Eis que me matará, já não tenho esperança; contudo, defenderei o meu procedimento.” (Jó 13:15)

Continua…

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joel beeke*Esse artigo é parte do primeiro capítulo do livro “Contagious Christian Living” (Vida Cristã Contagiante)  da Reformation Heritage Books and Pryntirion Press traduzido com permissão do autor.
ps. Para quem lê em Inglês e se interessou pelo livro, o site da editora aceita cartão de crédito brasileiro e envia para o Brasil.

**Dr. Joel Beeke é presidente e professor de teologia sistemática no Puritan Reformed Theological Seminary (EUA). É pastor da Heritage Netherlands Reformed Congregation, editor da Banner of Sovereign Grace Truth, diretor editorial de Reformation Heritage Books, presidente da Inheritance. Foi co-autor, escreveu ou editou mais de 50 livros, dentre os quais, “Vivendo para a Glória de Deus” e “Vencendo o Mundo”. Obteve seu Ph.D. em Teologia da Reforma e Pós-reforma no Westminster Theological Seminary. Ele é convidado freqüentemente para lecionar em seminários e pregar em conferências ao redor do mundo. Ele e sua esposa, Mary, foram abençoados com três filhos: Calvin, Esther e Lydia.

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*** Tradução: Roberta Macedo