Joanne e eu estamos esperando o nosso terceiro filho. Bem, na verdade, é o quarto, pois o deles já vive com o Senhor. Algumas coisas que ouvimos e lemos com frequência em relação a esta gestação são: “Vocês são muito corajosos!” ou “É preciso ter muita fé para ter um terceiro filho!”

Eu concordo plenamente com estas afirmações. Vivemos num mundo cada vez mais antifilhos. Há até um movimento denominado Child-free-by-choice (Livre de filhos por escolha), que possui suas dezenas de milhares de adeptos, inclusive no Brasil. Assim, se você deseja construir algo de bom em sua carreira profissional ou, caso seja casado, deseja aproveitar ao máximo o seu casamento, é preciso não ter filhos. Caso resolva ter, que seja apenas um, para não ter muito trabalho e muita despesa. Tal forma de pensar tem se transformado numa espécie de pressuposição que as pessoas assumem sem pensar naquilo que está em sua raiz e nas suas implicações.

Prova disso é que mesmo na igreja tal pensamento pode ser encontrado. E é interessante que ele se utilize de premissas que são verdadeiras, mas que não devem, necessariamente, levar à conclusão de que não se deve ter filhos ou que, caso alguém resolva ter, que seja apenas um, no máximo, dois. As afirmações são:

“Criar filho dá muito trabalho!”

“Criar filho dá muita despesa!”

“Vivemos num mundo mau!”

Tudo isso é verdade! Há ainda as razões que são apresentadas e não sem nem um pouco piedosas e verdadeiras, como as que falam de como filhos estragam o corpo da mulher. No entanto, de acordo com Douglas Wilson, casais que raciocinam de forma semelhante estão “bebendo suposições mundanas através de uma mangueira de bombeiro”.[1] Lembro do que aconteceu em junho passado, quando nossa filhinha, Ana Laura, teve bronquiolite e necessitou ficar internada ao longo de uma semana. Na correria para liberar a internação junto ao plano de saúde, sem dormir direito, Joanne e eu olhamos um para o outro e eu perguntei: “Dá trabalho, mas criar filhos é bom, né?” Ela concordou com um sorriso em seu rosto.

Sim, dá muito trabalho! Mas isso não é impedimento para se ter filhos. Só se torna impedimento quando o coração está indisposto a renunciar a sonhos e projetos hedonistas e egoístas. Criar filhos dá trabalho, pois vivemos num mundo corrompido, manchado pelo pecado. Nossos filhos nascem na iniquidade e em pecado são concebidos (Salmo 51.5). Nossos filhos são pecadores e, como tais, trazem a rebeldia em seus pequeninos corações. Mas é importante recordar que nós também somos pecadores. Nós também temos um mal habitando em nossos corações (Romanos 7.21). Tudo isso torna a tarefa de criar filhos em algo excruciante.

Criar filhos também dá muita despesa. É caro. É muito caro. Itens como alimentação, vestuário, calçados, educação e saúde estão cada vez mais caros. Ter dois filhos significa despesa dobrada. Ter três filhos então, nem se fala. Mas, ao pensar sobre o encarecimento do custo de vida lembro que eu e minha irmã nascemos na década de 80, época quando a moeda brasileira era extremamente desvalorizada e instável. Além disso, nossa mãe ficou viúva quando Juliana e eu tínhamos 6 e 4 anos, respectivamente. Fomos alimentados, vestidos educados e cuidados por uma mãe viúva que chegou a trabalhar durante três turnos, ganhando pouco. Pensando no que eu afirmei acima, posso dizer que a minha mãe abriu mão de sonhos e projetos pessoais para que pudesse nos criar com dignidade. E eu creio que é justamente aí que reside uma diferença entre a forma de pensar dos nossos dias e a dos nossos pais e avós: Não nos satisfazemos em dar apenas dignidade e sustento aos nossos filhos. Esquecemos das palavras do apóstolo Paulo, em 1Timóteo 6.8: “Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes”. Queremos dar mais que isso. Desejamos dar aos nossos filhos aquilo que não recebemos de nossos pais. Queremos mimá-los. Queremos dar-lhes as festas de aniversários que não tivemos, as viagens que não fizemos, a escola que não frequentamos e os brinquedos que nunca passaram por nossas mãos. Ter mais de um filho significa pulverizar o orçamento familiar o que, por sua vez, significa não poder dar a todos eles aquilo que planejamos. Ter mais de dois filhos representa, provavelmente, ter que deixar de lado aquela viagem para a Europa ou a aquisição daquele carro mais confortável e mais caro com o qual sonho há algum tempo.

E, sim, nós vivemos num mundo mau. A Bíblia nos diz isso: “o mundo inteiro jaz no Maligno” (1João 5.19). Todos os dias assistimos à escalada da maldade em nossa sociedade. Vemos os valores que moldaram a nossa sociedade ocidental, os valores judaico-cristãos, os valores bíblicos, sendo atacados pelo homem morto em seus delitos e pecados. O que é mais abundante em nossa época é a inversão de valores, pessoas ao mal chamando bem e ao bem, mal (Isaías 5.20). Hoje, por exemplo, minha esposa e eu estávamos num hospital, a fim de consultar a nossa filhinha. Enquanto aguardávamos o chamado assistíamos às notícias a respeito das rebeliões e das matanças em várias penitenciárias do nosso país. Pensamos: “Nossos filhos crescerão neste mundo mau”.

Mas, ainda assim, vale a pena. É verdade que ter filhos e criá-los dá trabalho. Mas, como cristão, não posso descrer da afirmação da Palavra de Deus, quando ela afirma que é “feliz o homem que enche deles [filhos] a sua aljava” (Salmo 127.5). Como um cristão pode duvidar disso? O salmo não diz que não existirão dificuldades. Ele não diz que não haverá sofrimento. Ele diz que, a despeito de todas essas coisas, tal homem será feliz. O Salmo 128 ensina que o homem que teme ao Senhor será bem-aventurado (v. 1), e dentre as bem-aventuranças de que desfruta, o salmista destaca: “Tua esposa, no interior de tua casa, será como a videira frutífera; teus filhos, como rebentos da oliveira, à roda da tua mesa”.

Gastamos muito com nossos dois filhos e já estamos nos preparando para a chegada do terceiro. Isso representará mais gastos, mais um plano de saúde, mais remédios, mais roupas, enfim, mais um monte de coisas. Consequentemente, representará menos livros, menos saídas para comer fora, menos brinquedos para cada um deles, readequação em nossas férias. Somos cientes de tudo isso e não lamentamos. Joanne e eu passamos a sonhar com o que de mais precioso, em termos humanos, podemos deixar aos nossos filhos: irmãos. Desejamos dar aos nossos filhos irmãos com quem eles possam crescer, de quem eles possam ser amigos, com quem eles possam contar. Temos nos esforçado para dar o que é necessário sem transformar nossos filhos em pequenos ditadores mimados e, mesmo assim, podemos ver, em diversas ocasiões, o pecado que habita em seus corações se revelando nesta área.

E em relação ao nosso mundo mau, o que fazer? Não ter filhos? Cremos que não. Gosto muito das palavras do Pr. Joel Beeke, quando ele diz: “Se realmente vemos os seres humanos como portadores da imagem de Deus, nosso desejo será vê-los se multiplicarem por toda a Terra. Se você busca desfrutar de intimidade sexual com seu cônjuge, mas, ao mesmo tempo, despreza a ideia de ter filhos, então está separando o que Deus uniu […] Se Deus lhe dará ou não filhos depende da vontade soberana dele. Talvez use você para abençoar filhos que não sejam fruto de sua união. Mas, por mais que o marido aprecie o sexo, ele tem o caráter de um pai, e por mais que a esposa aprecie o sexo, ela tem o coração de uma mãe”.[2] E mais do que encher a Terra com pessoas segundo a imagem de Deus, desejamos enchê-la de filhos da Aliança, de filhos do Pacto. É óbvio que não presumimos que nossos filhos nasçam regenerados. Sabemos que eles necessitam do Redentor. Mas ao desejarmos isso, assumimos o compromisso de evangelizá-los, de lhes ensinarmos a respeito da malignidade do pecado, de lutarmos contra o pecado que habita em seus pequeninos corações, de pleitearmos junto ao trono da graça o cumprimento das promessas pactuais que o Senhor fez, na sua Palavra, em relação aos nossos filhos.

É bom que se diga que isto não se constitui numa regra, ou seja, não é obrigação ter dezenas de filhos. Vários casais nas Escrituras tiveram poucos filhos. Na verdade, trata-se de uma palavra sobre o desejo de não ter filhos. O foco está nas motivações do coração: Por que você não quer ter filhos? Por que você acha que ter mais de dois filhos é ruim? É simplesmente impensável uma mulher cristã se dispor a gastar a sua juventude e vitalidade com outras coisas, mas não se dispor a fazer isso gerando filhos para o Senhor. É simplesmente impensável alguém que tenha boa condição financeira argumentar contra ter mais filhos com base nos gatos que filhos exigem. É inimaginável uma mulher cristã priorizar o seu corpo, a sua estética em detrimento da geração de filhos, herança do Senhor (Salmo 127.3).

Temos fé, não em nós mesmos, mas em nosso Senhor. Temos coragem, mas não por causa de qualquer coisa em nós, mas por causa da superabundante graça do nosso Redentor.

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[1] Douglas Wilson. Reformando o Casamento: A Vida Conjugal conforme o Evangelho. Recife, PE: CLIRE, 2013. p. 135.
[2] Joel R. Beeke. Amigos e Amantes: Como Cultivar a Amizade e a Intimidade no Casamento. São Paulo: Vida Nova, 2012. p. 67.

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* Rev. Alan Rennê é Pastor na Igreja Presbiteriana do Cruzeiro do Anil, em São Luís-MA, Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico do Nordeste, em Teresina -PI (2005), e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo-SP (2010). Mestre em Estudos Histórico-Teológicos, com concentração em Teologia Sistemática (Sacrae Theologiae Magister – S.T.M.), pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, São Paulo-SP. Professor visitante de Teologia Sistemática no Seminário Presbiteriano do Norte, em Recife-PE e na Faculdade Internacional de Teologia Reformada (FITRef). Escreve no blog Cristão Reformado.