Os filmes são um meio muito influente e neles temos muitas visões de mundo em exposição e a penetrar na consciência do público. A grande realidade, é que conscientemente ou não, os roteiristas promovem a entrada de sua própria visão de mundo nas obras que escrevem e que posteriormente são produzidas pela indústria cinematográfica.

Diante desse fato, é muito necessário que sejamos capazes de decifrar o que é verdade e o que não é nos filmes que consumimos, descobrindo todas as cosmovisões subjacentes em cada uma dessas obras. Elas podem evidenciar verdades bíblicas ou contrariedades a elas, mas de cada filme irá escoar uma expressão das afirmações das Escrituras.

Mas o que é cosmovisão mesmo? No livro O Universo ao Lado, James Sire trás a seguinte definição: “Uma cosmovisão é um comprometimento, uma orientação fundamental do coração, que pode ser expressa como uma história ou um conjunto de pressuposições (hipóteses que podem ser total ou parcialmente verdadeiras ou totalmente falsas), que detemos (consciente ou subconscientemente, consistente ou inconsistentemente) sobre a constituição básica da realidade e que fornece o alicerce sobre o qual vivemos, movemos e possuímos nosso ser“[1]

Então, em um filme, como podemos determinar a cosmovisão de um personagem? No que eles acreditam? Às vezes, sua visão de mundo é mais evidente, mas muitas outras vezes não são tão evidentes, são mais secretas, sendo necessária uma análise crítica de suas ações e escolhas para descobrirmos a sua visão de mundo.

Hoje, quero brevemente trabalhar com vocês o filme Noivas em Guerra (Bride Wars, 2009) para nossa análise crítica face as Escrituras.    Noivas em Guerra é uma comédia estrelada por Kate Hudson e Anne Hathaway. Suas personagens Liv (Kate Hudson) e Emma (Anne Hathaway) são melhores amigas desde a infância desde quando tinham planejado cada detalhe dos seus respectivos casamentos. Mas a amizade é posta à prova quando ambas acabam marcando seus casamentos para a mesma data no famoso Hotel Plaza em Nova York. Liv é uma advogada de sucesso que tem o costume de conseguir tudo o que quer, tem o “trabalho perfeito” e o “homem perfeito”, e certamente deveria buscar o “casamento perfeito”. Emma é uma professora idealista que mora com o namorado e tem a habilidade de cuidar dos outros, mas não tão boa em cuidar de si mesma, e que sofre muitas mudanças em seu temperamento quando vê o seu sonho de casamento em perigo. Assim, com o choque entre os eventos de seus casamentos, as duas melhores amigas que antes fariam qualquer coisa uma pela outra, entram em guerra, onde são capazes de tudo.

Noivas em Guerra é uma comédia que diverte, mas que traz alguns problemas sérios, evidenciando-se como uma crônica do comportamento pós-moderno com toda a evidência da presença dos efeitos da secularização e do pluralismo existencialista. Esse contexto sintetiza-se na expressão de uma ruptura com os ideais, princípios e valores, afirmando um tipo de existencialismo mais forte, mais cínico, mais cruel. No conflito entre Liv e Emma isso está muito evidente, o que pode ser expresso da seguinte maneira: “primeiro eu, e que se dane você”.

Diante de situações como as apresentadas no filme, fica muito evidente que o existencialismo produz verdadeiro desinteresse pela vida coletiva, por valores maiores que o prazer e o sentido pessoal de realização. A presença sentida é da preocupação com o “eu” e com o “agora”. Nessa maneira de pensamento, de ver o mundo, rejeita-se tudo que seja fora da pessoa, pela negação de valores objetivos e pela supervalorização do eu/agora.

Alguns outros elementos pós-modernos também estão presentes:

  1. A fragilidade ou mesmo a ausência das crenças e a descrença das instituições – Liv e Emma, valorizam mais a figura do cerimonial que a do oficiante de seus casamentos, que praticamente não aparecem enquanto a chefe do cerimonial é figura de destaque e é muito disputada.
  2. Estilo de vida centrado no prazer, individualista e narcisista – toda a disputa entre as noivas revela o quanto seus ideais em torno do casamento são movidos pelo foco no prazer individualista e movido pela autoidolatria.
  3. Substituição da ética pela estética – a definição de certo e errado para as duas personagens do filme é baseada puramente no senso estético e não ético, pois para Liv e Emma o certo é aquilo de que eu gosto, que eu desejo e o aquilo que não me agrada está errado.

Assim é percebido o quanto o comportamento do homem afeta seus relacionamentos, visto que as amizades são imediatistas, superficiais e podem se romper estabelecendo até mesmo a guerra quando os ideais existencialistas das partes se opõem. A mesma coisa também será evidente nos relacionamentos de “namoro” e casamento, onde, por isso mesmo, há a imposição de uma relação de sexo efêmero e casual. No filme, Emma vive com seu namorado maritalmente e tudo aparentemente está normal até quando seu noivo se opõe ao seu senso estético de casamento expresso na cerimônia que tanto sonhou.

Outro elemento pós-moderno evidente no filme Noivas em Guerra é a formação das identidades. Desde a infância que Liv e Emma construíram um ideal de casamento pela imagem da cerimônia que assistiram no Hotel Plaza e isso se tornou algo muito determinante em seus corações. O que isso denuncia é que as identidades em nosso tempo passaram a se formar em torno do lazer, da aparência, da imagem e do consumo. Consequentemente tornaram-se frágeis os laços que a delimitam.

O que Noivas em Guerra (Bride Wars) revela é esse senso comum de que a vida gira em torno da possibilidade ou não do prazer proveniente do poder de consumo.

E a Bíblia no nosso filme?

Mesmo que Noivas em Guerras (Bride Wars) não seja filme religioso, isso não significa dizer que não seja possível identificar elementos bíblicos em seu roteiro.

A tríade bíblica criaçãoquedaredenção pode ser identificada no filme, respectivamente no surgimento da forte amizade entre as duas personagens ainda na infância e no sonho de ambas em relação ao casamento, que evidenciam os aspectos do mandato social a partir das relações afetivas (Criação), a ruptura entre as amigas tomadas pelo egoísmo narcisista e pelo existencialismo individualista apontam para a presença do mal (Queda) e o arrependimento e perdão que as conduzem a reconciliação apontam para o fato de que esses efeitos da queda podem ser redimidos (Redenção). Acredito que a presença desses elementos, mesmo que de maneira sutil, revela que Noivas em Guerra é um retrato dos efeitos da secularização sobre uma cultura de origem cristã.

A presença do existencialismo individualista em franco comprometimento de uma cosmovisão bíblica em relação ao casamento tem sido evidente, por exemplo, na falta de modéstia das noivas evangélicas em relação a seus vestidos de casamentos e na pompa das cerimônias, algo que é denunciado por C.J. Mahaney [2] no livro Mundanismo: Como resistir à sedução de um mundo caído.

Nele o autor recomenda [3] a modéstia às noivas cristãs, antes de se lançarem, na preparação de seus casamentos e escolha dos vestidos, na mesma busca frenética e consumista empreendida por Liv e Emma. C. J. Mahaney, entendendo os riscos dessa secularização do casamento que também tem afetado as noivas cristãs, cita o alerta de Albert Mohler:

“O objetivo do culto de um casamento é demonstrar a glória por meio da união de um homem e uma mulher em pureza, monogamia e fidelidade diante Dele; ser obediente aos seus mandamentos e receber todos os presentes e dons inclusos na aliança matrimonial”.[4]

Assim, diante desse retrato, é importante pensar nas palavras do Apóstolo, e fazer delas as nossas: “Não é minha penúria que me faz falar. Aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei viver na penúria, e sei também viver na abundância. Estou acostumado a todas as vicissitudes: a ter fartura e a passar fome, a ter abundância e a padecer necessidade. Tudo posso naquele que me conforta.” (Fp. 4). Que o Senhor conduza seu povo ao discernimento dessas coisas importantes e assim nossas cerimônias de casamento sejam livres desses males, dessas “guerras de noivas”, sendo ricas em modéstia e na verdadeira espiritualidade expressa no cumprimento de nossos deveres pactuais.

Notas:

  • [1] SIRE, James W., O Universo ao Lado (São Paulo, Editora Hagnos, 2004), p. 16.
  • [2] MAHANEY.C. J. (Editor). Mundanismo: Como resisitir à sedução de um mundo caído. Niterói: Tempo de Colheita, 2010. pp. 139-140.
  • [3] O autor cita a recomendação que consta de 1 Timóteo 2.9-10, “As mulheres se ataviem com traje decoroso, com modéstia e sobriedade… (como convém a mulheres que fazem profissão de servir a Deus) com boas obras”.
  • [4] MOHLER, Albert Mohler. The Albert Mohler Radio Program. 16 de maio de 2006. Disponível em http://www.albertmohler.com/radio_show.php?cdate=2006-05-16 (Acessado em 2 de abril de 2008).

_________

*Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Presbiteriano de Brasília e em Direito pela Universidade Federal de Goiás (Direito – UFG); Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Castelo Branco (UCB – RJ) e Docência do Ensino Superior pela Universidade Gama Filho (UGF-RJ); Extensão em EaD e Planejamento de Cursos pela EST (EST-RS); Mestrando em Teologia Sistemática pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie – Centro de Pós-graduação Andrew Jumper (CPAJ-SP). Atualmente é pastor auxiliar na 1ª Igreja Presbiteriana de Ceilândia (DF). Leciona disciplinas de Teologia Sistemática no Seminário Presbiteriano de Brasília e em cursos de teologia de outras instituições do Distrito Federal.