studying at homeEducação domiciliar também é, muitas vezes, chamada pelo termo em inglês Homeschooling. Mas o que isso significa?

Em primeiro lugar se faz necessário entender que o Homeschooling é uma realidade em vários países do mundo, como Estados Unidos, Áustria, Bélgica, Canadá, Austrália, França, Noruega, Portugal, Rússia, Itália, Nova Zelândia, dentre outros. Aqui no Brasil esse movimento tem crescido bem rapidamente: em 2010, quando a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) foi criada, havia cerca de 800 famílias envolvidas na área. Hoje, já são 4 mil, segundo pesquisa de fevereiro de 2016.

Ressalva feita, vamos ao que interessa: o que é esse tal de Homeschooling? Em primeiro lugar, quando falamos disso estamos falando de uma modalidade de educação, onde os principais responsáveis pelo processo de aprendizagem são os próprios pais da criança e o ambiente da educação não é uma instituição (a escola), mas o seio familiar.

Quando dizemos que o Homeschooling supõe não matricular os filhos na escola, pessoas podem dizer: “ah, então a criança fica trancada dentro de casa?”. Não, ela não fica. Há um mundo de conhecimento em museus, parques, centros culturais, no parquinho, na casa da avó, na casa do amiguinho, em uma viagem, etc. Seio familiar é tão somente o não delegar a educação a nenhuma instituição, o que não significa se restringir à sua própria casa 365 dias por ano.

Como os pais podem ensinar seus filhos se eles não fizeram Pedagogia?
Bom, primeiro preciso dizer que a habilidade para ensinar não está restrita a quem cursa Pedagogia ou similares. Em segundo lugar, é necessário saber da infinidade de recursos disponíveis, gratuitamente, na Internet – lembrando que não existem só Facebook e Instagram na rede! Como um dos milhares de exemplos há o Khan Academy, ONG educacional com mais de 3800 vídeos de matemática, física, finanças, astronomia, dentre outras matérias.

Homeschooling, portanto, é uma alternativa à escola, onde os filhos aprendem supervisionados por seus pais (às vezes se faz a opção de contratar um professor particular para ensinar alguma matéria). Também podem ser aplicados vários métodos: Tradicional, Eclético, Método Clássico e Unschooling.
A dúvida mais recorrente em relação ao assunto é sobre a situação jurídica da Educação Domiciliar no Brasil. O Homeschooling é proibido no país? Não!

Essa modalidade de ensino, em substituição ao ensino escolar, não é proibida por nenhuma ordem jurídica. Ao mesmo tempo, ela não é explicitamente regulamentada nem permitida por norma alguma. O assunto é simplesmente omitido nesse campo, uma vez que é algo que começou a ser debatido recentemente no Brasil. Os principais documentos que tratam da educação no país são a Constituição (CF, art. 205 a 214) e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB – Lei 9.394/98). E neles não consta nem menção à educação domiciliar. Segundo Alexandre Magno, diretor jurídico da ANED, “apenas essa omissão já é suficiente para, de forma preliminar, declarar a validade da educação domiciliar, pois a CF tem como um dos pilares o princípio da legalidade (art. 5°, II), que considera lícita qualquer conduta não expressamente proibida em lei”.

Bom, até aqui nada muito bem resolvido. Portanto, precisa-se entender a hierarquia do ordenamento jurídico do Brasil: Constituição Federal, Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e leis ordinárias, quais sejam LDB, ECA e o Código Civil/CC. Assim sendo, a pergunta seguinte é “quem deve prover a educação?”. Lemos que:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (CF – grifou-se).

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (LDB – grifou-se).
Não há dúvidas, portanto, que esse dever é compartilhado entre pais e Estado. Mas quem tem a primazia nesse caso? Lemos na DUDH¹:

3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos (artigo XXVI – grifou-se)
E no CC²:
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I – dirigir-lhes a criação e educação (grifou-se);

Dessa forma, cabe aos pais dirigir a educação dos filhos da forma que julgarem mais apropriada, seja matriculando em uma escola, seja educando-os em casa. O Estado somente poderá tomar esse dever para si se os pais não tiverem condições e/ou vontade de educar o filho em casa.
Segundo o artigo 208 da CF³, “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (…) § 3º – Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola”. Analisando-se o inciso 1, entende-se que o artigo não obriga a escolarização, mas a educação, que deve assumir um status formal entre 4 a 17 anos do indivíduo, isto é, deve cumprir o exigido pelo artigo 203 da CF: “a. plenos desenvolvimento da pessoa; b. seu preparo para o exercício da cidadania; e c. sua qualificação para o trabalho”.

Ora, isso pode muito bem ser cumprido pelos pais em seus lares se eles tiverem condição e disposição para tal. Eles, da mesma forma, podem optar por cumprir isso enviando-os para uma instituição escolar, que é o que geralmente ocorre, afinal, é o mais prático considerando os estilos de vida de hoje. Essa é a posição majoritária. Entretanto, não podemos nos esquecer da minoria que não quer delegar essa atribuição a nenhuma escola, fazendo por si mesma o que sempre foi, no decorrer da História, papel da família. ” Em qualquer democracia constitucional, essa minoria, como qualquer outra, deve ser respeitada, com base no pluralismo político (CF, art. 1°, V) e, mais especificamente, no “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” (CF, art. 206, III), um dos princípios fundamentais do ensino”.

No mundo jurídico, essa questão de delegação envolve precedência de hierarquia e temos por certo, antropológica, política e historicamente que a família tem precedência sobre o Estado, sendo este um auxílio para as famílias, devendo apoiá-las enquanto elas tiverem forças para prover as necessidades básicas de seus membros. Sendo assim, com relação ao parágrafo 3 do artigo 208, o Estado precisa cobrar a frequência escolar daqueles que não optam pelo homeschooling.

Como escreveu Alexandre Magno, “Em síntese: constitucionalmente, a educação domiciliar é um dever da família, que perde boa parte do sentido de sua existência se não provê-la para seus membros mais frágeis. Também é um direito individual dos pais, que somente deixarão de exercê-lo se não puderem ou não quiserem.”
Em breve, mais artigos sobre essa questão aqui no blog. Meu muito obrigado ao senhor Alexandre Magno, por sua excelente contribuição à causa do Homeschooling. Esse texto, inclusive, foi baseado em seu artigo “A situação jurídica do ensino domiciliar no Brasil”, disponível em: aned.org.br.
¹- Declaração Universal dos Direitos Humanos
²- Código Civil
³- Constituição Federal