downton-abbeySó para você saber, eu quero assistir Downton Abbey. Há várias razões para querer. Primeiro, porque é bonito. Eu amo coisas bonitas, principalmente casas e roupas. Se a estória se passasse em Arkansas Trailer Park não seria interessante. Segundo, a estória se passa na Inglaterra da Era Eduardiana, um período que sempre gostei (já mencionei as belas roupas?). Terceiro, a série está em todo lugar e não assisti-la faz com que várias vezes eu me sinta totalmente por fora. Quarto, sei que muitos cristãos estão assistindo – crentes maduros e piedosos. Então tudo isso deve significar que é tranquilo, certo?

Na verdade, eu comecei a assistir o episódio um da primeira temporada e vi até a cena em que Thomas beija o duque que os visitava no quarto dele. Eu desliguei. Depois, quando a terceira temporada estava para estrear e depois de perceber que todos os tipos de crentes estavam assistindo (alguns até admitiam que estavam viciados), pensei que talvez eu tivesse perdido alguma coisa ou tivesse sido conservadora demais. Então, li os sumários online e assisti o resumo oficial das temporadas 1 e 2 (sim, eu sei que eles fazem com que pareça pior do que é – mas escute só). Eles confirmaram a minha decisão: eu não iria assistir Downton Abbey. Depois de várias conversas com outras mulheres cristãs (e um ou dois homens) que haviam assistido, eu posso explicar o motivo.

Downton Abbey é uma série cheia de pecados evidentes e sutis e que não é compensada pelo evangelho ou piedade. Homossexualismo, fornicação, mentiras, adultério, assassinato, ciúmes, ganância, inveja, contenda – tudo isso está na Bíblia. Tudo isso também está em Downton Abbey. Porém as Escrituras (e muitas obras clássicas de literatura e cinema) contrastam com pureza, honestidade, altruísmo, generosidade e com o próprio evangelho. Downton é totalmente destituída do evangelho e faz pouquíssimo para criticar ou avaliar a imoralidade. Sei que não é todo episódio que mostra algo terrivelmente imoral, mas eles não fizeram o resumo das temporadas um e dois do nada. O que é apresentado no resumo e muito mais está espalhado ao longo de toda a série.

Claro, às vezes os vilões recebem o que merecem (segundo uma visão secular). Mas quem são os vilões?

Às vezes, é difícil dizer. Mary, a suposta heroína, é egoísta, fria, manipuladora, não tem problemas em ir para a cama com um diplomata nem em encobrir a sua morte. Mais tarde ela se preocupa um pouco porque seus “erros” estão prejudicando a reputação da família e não porque ela os vê como sendo inerentemente errados. Até mesmo depois do seu casamento, ela é imatura e instável. Longe de ser a pessoa que desejo como exemplo para minhas filhas, a não ser pelo seu gosto com as roupas.

Então, temos Thomas. Friamente ambicioso nas primeiras partes da série, depois transforma-se em uma vítima das circunstâncias. Sua orientação sexual é um elemento significativo na série e recebe aprovação de Lord Grantham (que vê pouco problema em dar em cima de uma empregada desde que não seja pego). Se eu conhecesse Thomas na vida real, podíamos conversar sobre alguns assuntos (talvez emprestar a ele minha cópia do livro de Rosaria Butterfield), mas voluntariamente me submeter a assisti-lo manipulando e tramando, simplesmente não é uma opção para mim.

Claro, há outros “bons” personagens – pessoas que você poderia confiar e se espelhar- mas a maioria deles são papeis coadjuvantes, geralmente servos. Os protagonistas são profundamente falhos e não se importam com isso (se é que eles tem consciência) desde que não tenham que lidar com as consequências dos seus pecados.

E tem meu outro problema. Eu não quero apenas não assistir as cenas de sexo explícito ou assassinato, mas eu simplesmente também não quero que a televisão manipule minhas emoções para que eu deseje que essas cenas aconteçam. Eu não quero achar que está tudo bem em os protagonistas serem tão problemáticos. Como eu posso sentar no meu sofá e torcer por Bates e Anna quando, na verdade, ele deveria estar procurando sua esposa, determinado a amá-la? A série constrói a situação de tal forma que eu quero que eles se livrem da esposa dele e vivam felizes para sempre. Isso é pecado – meu real pecado fluindo da pretensa infidelidade de alguém.

Eu não posso beber meu chá e deixar que um produtor mude meu conceito do que é aceitável, bom, puro, verdadeiro, belo e louvável.

Mas foi mais complicado que isso, não foi? A esposa dele não quis dar a ele o divórcio, então ele estava preso e apaixonado e nós nem sabemos o que ele fez. Claro que tem que ser mais complicado. Se fosse muito preto no branco, as pessoas seriam capazes de fazer julgamentos morais. Os pais não deixariam suas filhas assistirem. Turve as águas um pouco, fazendo da Sra Bates uma mulher má que não ama seu marido e fazendo com que ele se apaixone por uma doce e pequenina empregada – é dessa forma que desfocamos as lentes da ética. São esses tipos de manobras que influenciam e mudam meu jeito de pensar.

Eu não quero ser ensinada por Downton Abbey. Seu objetivo não é me ensinar bons modos, justiça ou qualquer outro objetivo que os cristãos estão dizendo ter recebido dessa série (9 milhões de espectadores realmente assistiram a primeira temporada para aprender bons modos?). Pode ser que se espremermos bastante, consigamos achar algumas dessas coisas, assim como poderemos aprender a amar mais nossos filhos e valorizá-los assistindo a uma série que tem um pedófilo e uma abortista como personagens principais (Mas, você assistiria uma série assim, se fosse bonita e divertida e se você “quase nunca visse nenhuma pedofilia ou aborto, você só saberia que aconteceu mas, não teria problema porque no fim das contas, é assim que acontece mesmo”?).

Bons modos e um senso profundo de justiça não estão na televisão. Eles sabem o que vende e o que vende não é o melhor comportamento. É decadência e sexo, em múltiplas formas. Não é coincidência que o país que criou e consumiu Downton Abbey é o mesmo que legalizou casamento entre pessoas do mesmo sexo este mês. A cultura pop nunca permanece pop; o entretenimento filtra esta cultura para nossas vidas.

Em suma, enquanto eu olhava, lia e pensava em Downton Abbey , o custo-benefício espiritual simplesmente não era bom o bastante para mim. Ainda que eu ganhasse algo de bom, eu estaria ganhando outras coisas que são muito piores. Não importa que as “partes ruins” sejam uma pequena porcentagem das série: elas ainda estão lá e eu não quero assimilá-las, mesmo que estejam revestidas com açúcar – e elas estão. Eu posso aprender bons modos com Emily Post. Posso ouvir comentários culturais de Eric Metaxas. Posso aprender história da Era Eduardiana com os Churchills. Assistir a Downton Abbey não vale o custo espiritual de filtrar o lixo apenas pelo prazer estético de ver. Suas “qualidades redentoras” não são redentoras o suficiente para acalmar minha consciência.

[Nota da Editora da versão em Português: esses princípios de avaliação não devem ser considerados apenas quanto a “Downton Abbey”, use esses mesmos princípios para avaliar qualquer coisa que deseje assistir]

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Este post é uma tradução de um artigo de Rebecca VanDoodewaard publicado originalmente no Blog “The Christian Pundit” traduzido e re-publicado com permissão da autora.

*Rebecca VanDoodewaard é dona de casa, editora free-lancer e escritora. Ela é esposa do Dr. William VanDoodewaard, ministro da Associate Reformed Presbyterian Church e professor de História da Igreja no Puritan Reformed Theological Seminary, com quem tem 3 filhos. Rebecca está grávida do quarto filho. O casal bloga no “The Christian Pundit”

** Tradução: Bruna Bugana