O contentamento não é um fruto que cresce naturalmente nos jardins cheios de ervas daninhas da nossa alma. Pode ser um sentimento um pouco difícil de entender. A propósito, é um sentimento? É algo que podemos adquirir, ou é algo que tem de ser dado a nós? Ambos, creio eu. Paulo mesmo disse: eu aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Sobre este assunto, eu li o livro de Jeremiah Burroughs “A Jóia Rara do Contentamento Cristão”. Eu recomendo muito este volume; esta noite vou passar apenas algumas pepitas da preciosidade desta mina de ouro puritana de sabedoria e instrução.

I. O que é o contentamento cristão?

Às vezes, ajuda falarmos sobre o que ele não é. Vamos fazer isso esta noite também. O que o contentamento cristão NÃO É

1. Ele não é apenas o que a definição secular diz em merriam-webster.com: sentimento ou demonstração de satisfação com as próprias posses, status, ou situação. Isso pode significar que estamos de bom-humor. Muitas vezes, quando estamos descansados e tendo um dia agradável, somos capazes de lidar com certas coisas muito mais facilmente do que quando nós tivemos de amamentar o bebê doente durante a noite. Mas todos nós sabemos o quão frágil é o nosso bom-humor, não é mesmo? Minha experiência desta manhã ilustra isso. Esta definição é parte do contentamento, mas não diz tudo.

2. Ele não é uma atitude de “não leve isto em conta” e uma filosofia de “isto também passará”. Esta atitude tem aparência de contentamento, enquanto o coração pode estar em confusão com a dor, a raiva, e mesmo a rebelião. Ou uma mentalidade de suportar passivamente o que vier a acontecer em nossas vidas e deixar que siga seu curso sem procurar por ajuda. Se somos diagnosticados com câncer, nós podemos e devemos buscar formas de removê-lo e em oração nos submetermos aos procedimentos que o médico nos prescrever.

3. Ele não é o refrear de toda a dor e dificuldade; pensando que é uma desonra dar voz à nossa dor e tristeza. Nos Salmos, ouvimos frequentemente o crente derramando seu coração diante de Deus. Na Versão Autorizada, a palavra ‘lamento’ não significa uma queixa ou murmuração, refere-se mais a um pranto, que é uma expressão de tristeza. Também podemos e devemos compartilhar nossas dificuldades com íntimos amigos cristãos; isto lhes dá a oportunidade de orar por nós, e conosco, de tal forma que eles possam nos encorajar no Senhor. A menos, é claro, que tenhamos amigos como os de Jó, é melhor evitar estes em um momento de luta. Mas você não pode ler o livro de Jó sem notar que ele está expressando sua agonia e tristeza com bastante regularidade. Mas, lemos que “em tudo isto Jó não pecou com seus lábios”. Por exemplo: Quando ficamos magoados por causa das atitudes de uma de nossas crianças, pode ser de grande ajuda compartilhar isto com um amigo e orar juntos e saber que mais guerreiros de oração estão ocupados em prol de seu filho. Ou em caso de problemas no casamento, é muito melhor buscar ajuda com o pastor ou outro crente sábio, e assim deixar a família de Deus ser uma mão e pé reciprocamente.

4. Ele não é apenas um traço de caráter, sendo abençoado com uma visão positiva. Porque é, absolutamente, uma bênção quando seu caráter tem uma inclinação otimista em oposição a uma tendência pessimista; você verá mais rapidamente o lado bom das situações e estará disponível mais facilmente.

 

Então, o que é o contentamento cristão? Não importa quanto tempo eu tentasse, eu nunca poderia chegar a uma melhor definição do que a de Jeremiah Burroughs: “O Contentamento Cristão é aquela doce, íntima, serena, graciosa disposição de espírito, que livremente se submete à, e se deleita na sabedoria de Deus e em Sua disposição paternal em todas as condições.”

 

II. Por que os cristãos devem aprender a se contentar

Agora vou utilizar principalmente Burroughs. Sua linguagem pode ser um pouco formal, mas vale a pena escutá-lo.

1. Ao estarmos contentes, damos a Deus a adoração que lhe é devida. Burroughs diz que nós honramos mais ao Senhor por, serena e docemente, nos submetermos ao que Ele vê como adequado dar a nós ou reter de nós, do que por ouvirmos um longo sermão ou orarmos por qualquer período de tempo. Burroughs ainda considera que os santos contentes na terra trazem mais glória a Deus do que os santos no céu o fazem. Isso é algo que eu quero tratar com vocês em pequenos grupos mais tarde.

2. No contentamento há muito exercício de graça. No contentamento, debaixo de aflições, nós exercemos a fé ao confiarmos em nosso Pai amoroso; e exercemos a humildade, ao nos submetermos humildemente à Sua vontade; e o amor, ao permanecermos próximos Dele; e a paciência, ao não murmurarmos, mas aceitarmos; e a sabedoria, porque percebemos que precisamos dessa aflição; e a esperança, que se tornará purificada como a prata; quase todas as graças estão presentes.

3. O contentamento torna a alma apta a receber misericórdia. Se você quiser despejar líquido em um frasco, você deve continuar segurando, pois caso ela balance o liquido se derramará. Então, se nós queremos o Senhor derramando misericórdia em nós, não devemos ficar inquietos e irritados, mas devemos ter calma e corações quietos. Se uma criança faz pirraça, você não dá a ela o que ela está pedindo, ao invés disso, você, primeiro, deixará a criança sossegada. Mesmo que você intente dar a ela aquilo pelo que ela chora, você não vai dar até que ela esteja diante de você contente sem aquilo, e então você dará. E é realmente assim que o Senhor lida conosco. Deus quer ser misericordioso com você, mas Ele diz: “Você não deve receber misericórdia ainda; primeiro quero te ver sossegado, e depois, no sossego do seu coração, venha a mim, e veja o que farei com você”. Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus!

4. O contentamento torna a alma apta para o serviço. Enquanto temos espíritos instáveis e perturbados, nós não estamos aptos para fazer o serviço de Deus. Essa é a razão por que, quando o Senhor tem qualquer grande obra para um dos seus servos realizarem, Ele conduz os seus espíritos a uma disposição doce e serena, de se contentarem com todas as coisas, e então Ele os inicia no serviço. Pense sobre Moisés; o Senhor deixou-o como pastor por 40 anos em um deserto solitário, antes de enviá-lo para conduzir o Seu povo do Egito.

5. O contentamento livra de muitas tentações. O diabo ama pescar em águas turbulentas. Se ele consegue nos pegar sozinhos quando estamos chateados e descontentes, ele sabe como tirar o máximo proveito de nossa auto-piedade. Ele sussurra coisas como: “Você não merece isso depois de tudo que você fez. Por que ela deveria ter uma casa maior, se você tem mais filhos? Por que o marido dela é sempre tão atencioso e o seu é tão envolvido por seu próprio mundo?” Mas se pela graça você puder dizer “Deixe que Deus faça de mim o que Lhe agrada, eu estou contente por me submeter às Suas mãos nisto”, o Diabo dificilmente vai achar que valemos o seu tempo.

6. O contentamento trará confortos abundantes às nossas vidas. E um dos confortos é saber – e ter – aquela única coisa necessária. Antes da graça, a alma corria atrás disso e daquilo, mas agora ela diz: “Vejo que não é necessário que eu seja rica, mas é necessário que eu tenha paz com Deus. Não é necessário que eu viva uma vida agradável neste mundo, mas é absolutamente necessário que eu tenha o perdão dos meus pecados. Não é necessário que eu tenha honra e sucesso, mas é necessário que eu tenha Deus como minha porção, e que a minha alma esteja salva Jesus Cristo. Quando estamos contentes, não precisamos de coisas para nos satisfazer. Mas, ao mesmo tempo, podemos desfrutar melhor das coisas que temos, por causa da forma como elas transmitem a bondade de Deus para nós, como elas nos trazem para mais perto Dele, para que nos deleitemos mais Nele, e nos ajudam a servi-Lo melhor.

7. O contentamento traz conforto daquelas coisas que realmente não possuímos. Há mais conforto em estarmos contentes com o que o Senhor nos dá, do que em termos todas as coisas que podemos desejar, porque as coisas realmente não nos satisfazem em longo prazo. É assim que Burroughs argumenta:

  • Eu poderia desejar de todo coração ter algo que me fizesse satisfeito; mas se eu tivesse tal coisa, então uma criatura teria ajudado o meu contentamento, enquanto que agora é a graça de Deus em minha alma que me faz contente, e certamente é melhor contentar-me com a graça de Deus em minha alma, do que com o desfrutar de confortos materiais.
  • Se eu tivesse tal coisa, admito que a minha posição estaria melhor, mas a minha alma não estaria melhor; mas, pelo contentamento, minha alma é melhor. Nem a riqueza, nem as terras, nem os amigos superariam tal coisa; mas o contentamento me faz melhor, e, portanto, o contentamento é porção melhor do que a coisa que eu teria como porção.
  • Se eu ficar contente por ter meu desejo satisfeito, isto é apenas amor próprio, mas quando eu fico contente com a mão de Deus, e estou desejoso de estar ao Seu dispor, isto vem do meu amor a Deus. E não é melhor se contentar por amor a Deus do que por um princípio de amor próprio?
  • Se eu já dominei meu coração, e estou contente com a graça de Deus nele, então isso me faz contente não só em uma coisa particular, mas em geral, em qualquer coisa que me ocorrer. Assim, você vê que o contentamento traz conforto à nossa vida, enche-a de todo conforto neste mundo; a verdade é que o contentamento é mesmo um Céu na terra: descanso e alegria e satisfação em Deus.

 

Leia a Parte II aqui.

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* Esse post é a transcrição de uma palestra ministrada para as esposas dos seminaristas do Puritan Reformed Theological Seminary. Elina VanderZwaag é esposa do Rev. Foppe VanderZwaag, com quem tem 9 filhos. Ela nasceu e cresceu na Holanda, mas seguiu seu marido para Alberta, Canadá seis semanas depois do seu casamento e depois para Ontario, Canadá, onde ele era diretor de uma escola cristã. Em 1997, eles se mudaram para Grand Rapids, Michigan onde meu marido fez o seminário e hoje é pastor da Heritage Netherlands Reformed Congregation. Ela é dona de casa e mãe em tempo integral.

** Tradução: Arielle Pedrosa