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Toda vez que eu leio os evangelhos, fico impressionado com o fato de como Jesus parecia encontrar-se em meio a uma controvérsia onde quer que ele fosse. Também fico impressionado com a forma como Jesus lidava com cada controvérsia de maneira diferente. Ele não seguia o exemplo de Leo “The Lip” DeRosier, o ex-gerente do New York Giants, tratando cada pessoa que ele encontrava da mesma maneira. Embora ele esperasse que todos “jogassem pelas mesmas regras”, ele pastoreava as pessoas de acordo com as necessidades específicas delas.

O Antigo Testamento retrata o Bom Pastor como aquele que carrega tanto o cajado quanto a vara, pois a sua responsabilidade é tanto guiar as suas ovelhas quanto protegê-las de lobos vorazes (Sl 23.4). Nos evangelhos, nós vemos Jesus utilizar a sua vara protetora mais frequentemente contra os escribas e fariseus. Quando Jesus lidava com esses homens, ele não pedia e nem dava trégua. Quando ele pronunciava o julgamento de Deus sobre eles publicamente, ele usava o oráculo do “ai”, que era usado pelos profetas do Antigo Testamento: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito [convertido]; e, uma vez feito, o tornais filho do inferno duas vezes mais do que vós!” (Mt 23.15).

Jesus lidou com muitos dos líderes religiosos do seu tempo rigorosamente por causa da hipocrisia do coração duro deles. Outras pessoas que reconheciam os próprios pecados e se envergonhavam deles – Jesus as abordava com amor e encorajamento. Considere a mulher no poço (João 4). Jesus sentou-se e conversou com a mulher samaritana, o que era inédito naquela época para um rabino judeu, devido aos preconceitos comuns contra mulheres e samaritanos. Ele pacientemente tirou dela uma confissão de pecado e lhe revelou o Seu ofício messiânico. Jesus a tratou como uma cana quebrada e uma torcida fumegante, gentilmente confrontando-a, mas não esmagando-a (Mt 12.15-21).

Entre muitas outras coisas, penso que o exemplo de Cristo nos ensina como devemos lidar com aqueles de quem discordamos. Às vezes devemos ser rigorosos e, às vezes, devemos ser gentis – rigorosos com os lobos e gentis com as ovelhas de Jesus.

Há discordâncias que temos com nossos irmãos, e também há discordâncias que temos com aqueles que dizem ser nossos irmãos, mas que, de fato, podem ser lobos em pele de ovelha. Tais lobos sempre representam um claro perigo à segurança, saúde e bem-estar das ovelhas de Cristo. Nenhuma trégua pode ser dada a lobos, mas somos chamados a exercer gentileza para com aqueles cujas discordâncias não tocam o coração da ortodoxia cristã.

Saber a diferença entre quando devemos ser gentis e quando devemos ser rigorosos é uma das questões mais difíceis para os cristãos maduros discernirem. Eu não tenho uma fórmula que seja facilmente aplicada, mas eu sei que sempre somos chamados a lidar com as discussões e discordâncias que temos com base na caridade, isto é, no amor.

A Caridade e Seus Frutos, de Jonathan Edwards, é a mais profunda exposição de 1 Coríntios 13 que eu conheço. Eu a li pelo menos seis vezes, provavelmente mais. Nessa obra, Edwards escreve:

Um homem verdadeiramente humilde é flexível em tudo, exceto na causa do seu Senhor e mestre, que é a causa da verdade e da virtude. Nisso ele é inflexível porque é o que Deus e a consciência exigem; mas em coisas de menor importância e que não envolvam seus princípios como seguidor de Cristo, e em coisas que digam respeito apenas aos seus próprios interesses particulares, ele é apto a se render a outros.

A humildade da qual Edwards está falando aqui é uma humildade que deve ser trazida a cada discordância que possa surgir entre crentes. É uma humildade que traz à tona o que, na história da igreja, muitos chamaram de julgamento da caridade. O julgamento da caridade funciona mais ou menos assim: Quando discordamos um do outro, creio que somos chamados como cristãos a assumir que os motivos da pessoa da qual discordamos são motivos puros. Essa é a abordagem que devemos ter com aqueles com quem temos uma honesta diferença na interpretação bíblica, mas que amam a Bíblia e não estão tentando mudar o que ela ensina. Tais pessoas não estão dispostas a comprometer as verdades essenciais da fé cristã.

Ora, o julgamento da caridade assume, em uma discussão cristã, que o irmão ou irmã de quem estamos discordando, está discordando honestamente e com integridade pessoal. Aqui penso no meu amigo John MacArthur. Se eu discordo de alguma coisa do John – não importa o que seja – e lutamos incessantemente a respeito disso, John mudará a sua posição – não importa o custo – se eu puder persuadi-lo de que a Bíblia ensina a minha visão e não a dele. Isso porque o que ele quer mais do que qualquer coisa é ser fiel à Palavra de Deus.

É isso o que quero dizer com julgamento de caridade. Nós não impugnamos os motivos das pessoas e não presumimos o pior delas quando discordamos delas. Nós fazemos uma distinção entre análise do melhor caso e do pior caso. O problema que todos temos como pecadores deste lado da glória é que tendemos a reservar a análise favorável aos nossos próprios motivos e dar a análise desfavorável aos motivos do nosso irmão ou irmã. Isso é o oposto do espírito que somos chamados a ter em termos de humildade bíblica.

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R. C. Sproul

*Esse artigo foi originalmente publicado por Ligonier Ministries e traduzido por Voltemos ao Evangelho com permissão do editor.

**R. C. Sproul nasceu em 1939, no estado da Pensilvânia. Foi ministro presbiteriano, pastor da igreja St. Andrews Chapel, na Flórida. Foi fundador e presidente do ministério Ligonier, professor e palestrante em seminários e conferências, autor de mais de sessenta livros, vários deles publicados em português, e editor geral da Reformation Study Bible.