Falar sobre alimentação envolve tanto a ciência quanto a cultura, como também hábitos pessoais, política e economia. E o mais importante é que o alimento deve ser usado para a glória de Deus. O Senhor criou todas as coisas e tudo o que Ele criou foi para a sua glória. Sabemos que falar sobre alimentação revela bastante sobre a estrutura da vida cotidiana, do núcleo mais íntimo e mais compartilhado de uma pessoa; então, peço licença para assentar-me à sua mesa, imagine que estamos diante de um prato muito especial preparado por você, para tratarmos e desfrutarmos sobre esse tema.

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            O modo como enxergamos e reagimos ao alimento demonstra de alguma forma a cosmovisão que abraçamos. E, como cristão, o prato que você serve à mesa, o seu modo de preparo e o jeito que você come revela também a sua obediência ao Senhor. A proposta do texto é observar o comportamento alimentar que é basicamente como as pessoas expressam suas escolhas alimentares, hábitos, desejos ou impulsos, e o que Deus requer sobre o assunto. Se você acha que a alimentação está excluída da cosmovisão do cristão e que você pode se alimentar de modo intemperante, você está enganado. Entretanto, falar sobre modificação do comportamento alimentar na fase adulta é difícil na visão de muitos, e dentro das igrejas esse tema tem sido negligenciado, mas saiba que o dever do cristão é também ser moderado no alimento, evitar as extremidades do excesso e da falta. Com isso em mente, ofereço razões bíblicas para que você possa corrigir seu comportamento alimentar para a glória de Deus.

Domínio próprio e alimentação

            Ao analisar o comportamento alimentar iremos discutir, primeiramente, sobre o impulso para com o alimento. Você deve se questionar sobre o domínio próprio em suas escolhas alimentares, se você é moderado, se o alimento tem controle sobre você ou até mesmo se você tem repulsa a ele — como é o caso dos que possuem algum transtorno alimentar. Paulo aos Gálatas, no capítulo cinco, lista qual é o fruto do Espírito e quais são as obras da carne, incluindo a temperança/domínio próprio (v.22) e glutonaria (v.21), respectivamente.

            Paulo classifica o domínio próprio como fruto do Espírito, ou seja, um cristão deve produzir o fruto e dentre eles está o domínio próprio. C. S. Lewis no livro Cristianismo puro e simples[1] trata sobre a temperança como uma virtude cardeal, ou seja, uma virtude que é crucial e necessária para o cristão. Ele diz que essa temperança / domínio próprio refere-se a todos os prazeres, inclusive a comida. E que a temperança não significa abstinencia, mas sim ter moderação, estar na medida certa, sem ultrapassá-la.

            Enquanto a glutonaria é uma característica do glutão, ou seja, quem come excessivamente, com muita pressa, mastigando mal para engolir maior quantidade possível de alimento. Porém, a glutonaria falada por Paulo, talvez, não seja apenas referente ao comer demais, subentende-se que existe um contexto de festejos com excessos alimentares que inclui outros fatores associados, observe que a característica do glutão está inclusa nos pecados proibidos do sétimo mandamento[2] listado na resposta da pergunta 139 do Catecismo Maior de Westminster[3]:

Os pecados proibidos no sétimo mandamento, além da negligência dos deveres exigidos, são: adultério, fornicação, rapto, incesto, sodomia e todas as concupiscências desnaturais; […] a ociosidade, a glutonaria, a bebedice, a sociedade impura; cânticos, livros, gravuras, danças, espetáculos lascivos e todas as demais provocações à impureza, ou atos de impureza, quer em nós mesmos, quer nos outros.

            Contudo, sigamos com o foco do texto que é lidar com a alimentação, e já sabemos que o cristão deve ser temperante com o alimento. O domínio próprio com relação ao apetite é desfrutar dos alimentos mantendo sempre a moderação. Salomão diz: Não ande com os que se encharcam de vinho, nem com os que se empanturram de carne. Pois os bêbados e os glutões se empobrecerão, e a sonolência os vestirá de trapos.[4] Portanto, comer para a glória de Deus não é apenas ser moderado na quantidade que ingerimos de alimento, para que não sejamos glutões ou beberrões, deve ser atento também a qualidade desses alimentos.

Mordomia cristã e alimentação

            A mordomia cristã é a realização da função de cuidar e de administrar todas as coisas que pertence a Deus. Em 1 Pedro 4.10[5] fala que devemos ser bons despenseiros — mesmo sentindo de mordomo. Mas o que pertence a Deus para que cuidemos e tenhamos zelo? Do SENHOR é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam.[6] Donald Whitney em seu texto sobre o evangelho e mordomia afirma:

Embora sempre falemos sobre as coisas como “nossas”, a realidade é que tudo que temos e tudo que somos pertence a outro – a Deus. Como disse o apóstolo Paulo: Portanto, foi de Deus que recebemos nossa vida e o tudo que há nela; e somos responsáveis por isso. Temporariamente – ou seja, até que Deus os exija de nós – somos mordomos desses dons. […] Deus tem prazer na mordomia exercida com disciplina – e não com negligência – daquilo que lhe pertence.[7]

            Ou seja, não somos de nós mesmos, somos dEle. A mordomia cristã engloba todas as coisas que pertence a Deus, por exemplo: a administração do seu tempo, suas habilidades/dons e os seus serviços, como também, inclui cuidar do templo do Espírito Santo[8], cuidar de nós mesmos, que somos a primícia da criação.[9] Sim, seu corpo também é do Senhor, e que ele seja plenamente conservado saudável.[10]    

            A alimentação é a fonte de todo nutriente e energia para seu corpo, através dele você tem o desenvolvimento e manutenção do corpo por completo. Para exercer uma boa mordomia cristã você deve ser prudente sobre o que vai oferecer de alimento para o seu corpo. Como você já deve saber, uma má nutrição, ou seja, alimentar-se de alimentos ultraprocessados; repletos de sal; açúcar; gordura; aditivos e substâncias que você nem sabe que contém naquele pacotinho de salgadinho ou latinha de refrigerante, resultará em patologias como anemias, diabetes, hipertensão, esteatose hepática etc.

            Com isso você estará matando o seu corpo aos poucos, não o conservará saudável e estará quebrando o sexto mandamento — Não matarás.[11] Esse mandamento exige o uso sóbrio da comida e proíbe o seu uso imoderado, como é citado na resposta do Catecismo Maior de Westminster.[12]:

Resposta 135: Os deveres exigidos no sexto mandamento são todo empenho cuidadoso e todos os esforços legítimos para a preservação de nossa vida e a de outros, resistindo a todos os pensamentos e propósitos, subjugando todas as paixões[…] uso sóbrio da comida, bebida, remédios, sono […]. Resposta 136: Os pecados proibidos no sexto mandamento são: o tirar a nossa vida ou a de outrem, […] o uso imoderado de comida, bebida, trabalho e recreios; as palavras provocadoras; a opressão, a contenda, os espancamentos, os ferimentos e tudo o que tende à destruição da vida de alguém.

            Deus, em Gênesis 1.29, deu ao homem todos os vegetais, cereais e frutos como alimento, e logo após o dilúvio, deu também os animais.[13] Tenha essa base alimentar em mente, ela é equilibrada e consistente com uma ampla variedade de produtos vegetais e animais. Essa é a melhor qualidade dietética que possa existir!


[1] Lewis, C. S. Cristianismo puro e simples. Traduzido por Gabriele Greggersen. 1ª ed. — Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017. p.115.

[2] Não adulterarás – Êxodo 20.14.

[3] O catecismo Maior/Assembleia de Westminster; São Paulo: Cultura Cristã, 2013. p. 183.

[4] Provérbios 23.20-21

[5] Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus.

[6] Salmo 24.1.

[7] Donald Whitney, O evangelho e a mordomia. Voltemos ao Evangelho. 2018. <https://voltemosaoevangelho.com/blog/2018/04/o-evangelho-e-a-mordomia/>

[8] 1 Coríntios 6.19-20.

[9] Tiago 1.18.

[10] 1 Tessalonicenses 5.23.

[11] Êxodo 20.13.

[12] O catecismo Maior/Assembleia de Westminster (Pergunta 135 e 136); São Paulo: Cultura Cristã, 2013. p. 172 e p. 176.

[13] Gênesis 9:1-3.

[Continua…]

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Pernambucana, 23 anos, Nutricionista, formada em bacharel em Nutrição (UFPE); Pós-graduanda em Nutrição e doenças crônicas não transmissíveis (FAVENI); Vem atuando em modulação da microbiota intestinal; faz parte da equipe do Projeto Missionário Compaixão, Eva Reformada e colunista no Filhas da Graça;