* Esse post é a primeira parte do artigo “A Mulher Puritana”. 

A Jovem Filha Puritana

A jovem puritana será ensinada desde a mais tenra idade no que diz a Escritura: “Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor porque isto é justo”. Não é o caso de apenas poder fazer o que é certo, justo, onde a obediência filial é exigida pelo superior e submetida pelo inferior. Não, antes, a ênfase recairá naquilo que é certo fazer: agradar ao Senhor. Os pais dela sabem que a família é a sociedade original, o alicerce para todas as outras. Se a filha fracassar nessas lições elementares de obediência, submissão, respeito, compaixão, etc., ela será inadequada como futura esposa, mãe, para não mencionar como alguém que deveria dessa maneira servir a Deus. John Angell James escreve: “Quem não sabe que a base da qualidade de um império está na constituição doméstica, e em famílias bem treinadas?”. A primeira professora da filha puritana era geralmente sua mãe. As lições eram práticas e por natureza necessitavam de uma participação ativa considerável. Os deveres domésticos abundavam, já que a mulher puritana não era apenas esposa e mãe, mas também costureira, contadora, às vezes senhora sobre uma ou mais servas, e dominava outros empreendimentos domésticos não muito distantes da cena bíblica ilustrada em Provérbios 31.

Os pais, especialmente as mães, procuravam ressaltar certas qualidades em suas filhas. Qualidades essas que a mãe procurava ela mesma cultivar. Entre essas qualidades estava um senso de submissa obediência; ternura, que um autor caracterizou como um “poder passivo… que antes atrai em vez de dirigir”; autonegação, fortaleza (“não”, diz um escritor, “a coragem que leva os homens à boca do canhão… mas aquela que é manifestada ao se suportar sofrimento físico, o dano da pobreza… as trevas da solidão…” etc.) assim como um caráter de amor. Eu levaria mais que uma conferência inteira para sumarizar de forma adequada até mesmo o volume um do puritano John Angell James sobre Female Piety (A Piedade Feminina), um livro do qual vocês irão ouvir não poucas citações a partir de hoje. Mais cedo do que em nossa sociedade, a moça puritana, amadurecendo precocemente, entrava no próximo estágio em sua jovem vida…

A Jovem Mulher Puritana

Educação

Os puritanos eram conhecidos por sua devoção à educação em todos os níveis. Jeremiah Burroughs uma vez escreveu: “Há pouca esperança em crianças que são educadas de forma ímpia. Se a cor estiver na lã, é difícil tirá-la da roupa”. Os estatutos do Emmanuel College, a faculdade mais puritana no antigo Cambridge, afirmam: “Há três coisas que desejamos acima de tudo que todos os membros desta faculdade possuam, a saber, a adoração a Deus, o crescimento na fé e integridade (honestidade, sinceridade) moral.” Em certa ocasião, quando o reformador John Knox se dirigiu ao Conselho da Escócia, ele disse ser “muito cuidadoso para com a educação virtuosa e piedosa dos jovens deste reino” para “o avanço da glória de Cristo”. Entre os primeiros documentos pertencentes à fundação da Faculdade de Harvard nós encontramos: “Que o estudante seja sempre plenamente instruído e seriamente pressionado a considerar bem que o principal fim de sua vida e de seus estudos é conhecer a Deus e Jesus Cristo, que é a vida eterna (João 17:3) e por isso colocar Cristo na base, como o único alicerce de todo conhecimento e aprendizado saudável”.

Um modo de frustrar Satanás, pensavam os puritanos, era educar as pessoas na leitura e estudo da Bíblia. Anos antes, Lutero havia escrito: “Eu não aconselharia ninguém a enviar seu filho aonde as Sagradas Escrituras não são supremas”. Hoje, nós também educamos nossos filhos a lerem. Alguma vez já lhes falamos que o uso primário de suas habilidades para a leitura deve ser para pesquisar as Escrituras? Ainda nos primórdios da Universidade de Harvard, os estudantes eram obrigados a ler as Escrituras em privado (de forma não pública – NE) duas vezes ao dia com possível exame disso. Nós temos essa prática em nossos lares? Nós conversamos com nossos filhos acerca de seu dia na escola, particularmente sobre o que eles aprenderam das Escrituras nesse dia? Nós verificamos pessoalmente que, se nossos filhos freqüentam uma escola, essa escola é verdadeiramente centrada na Bíblia?

A educação puritana era de forma ampla uma responsabilidade dos pais. O pregador puritano inglês Thomas Gataker escreveu uma vez: “Que os pais possam aprender… o que almejar na educação de seus filhos… não estudar apenas a maneira como providenciar-lhes um dote… mas labutar por treiná-los na verdadeira sabedoria e discrição”. Leland Ryken, um notável historiador puritano, escreveu: “É importante notar que os escritores puritanos, no assunto [da educação] dirigem a maior parte de suas observações acerca do objetivo da educação cristã a pais e não a educadores. Na visão puritana, a educação cristã começa em casa e é, em última instância, responsabilidade dos pais. As escolas são uma extensão da instrução e valores dos pais, não um substituto para eles”. Que nós nunca possamos achar que outra pessoa agora tenha a responsabilidade pela educação de nossos filhos, responsabilidade tal que nós prometemos aceitar no batismo. O objetivo da educação puritana não era, em primeiro lugar, inteligência. Milton, em seu tratado clássico sobre educação, põe muito menos importância em quanto uma pessoa sabe do que no tipo de pessoa que ele ou ela é no processo de se transformar – especialmente no relacionamento dele ou dela com Deus.

É esta a nossa verdadeira principal preocupação? É isto o que nós estamos procurando na educação de nossos filhos, seja em casa ou na escola? Os puritanos, como nós, enfatizavam uma bem modelada educação nas artes liberais. Mas eles sempre enfatizavam que os vários assuntos devem sempre ter um objetivo religioso. Eles não queriam uma distinção entre assuntos religiosos e os assim chamados assuntos naturais. Todos deviam estar a serviço da glória de Deus e todos deviam ser para o aprimoramento de nosso semelhante. As moças puritanas, seja em casa ou na escola, e como meios permitidos, estudavam uma variedade de assuntos. Além de religião, muitas foram escolarizadas em leitura, caligrafia, música (escrita), matemática (da simples aritmética à geometria ou álgebra), geografia, história, filosofia e línguas. William Sprague, em seu Letters on Practical Subjects to a Daughter (Cartas a uma Filha sobre Assuntos Práticos), escreveu esta advertência, entretanto: “Embora você possa se distinguir muito no cultivo intelectual… você não pode proclamar ter uma educação completa, a menos que esteja bem familiarizada com a economia doméstica”. Como nota à parte – observe como o termo “economia doméstica” não é um termo cunhado por educadores modernos. “Eu estou consciente”, ele continua, “de que este é um assunto que, de uma forma ou outra, muitas jovens consideram com forte aversão; e há razões para se temer que, em muitos casos, esta aversão é aumentada ao receberem em algum grau a sanção dos pais… Mas nada que esteja relacionado com a superintendência e direção imediata dos cuidados do lar você pode negligenciar sem expor a si mesma as inconveniências que nenhum futuro empenho poderá ser capaz de remediar completamente”.

No fim, a ênfase dos puritanos na educação sempre retornava ao lar. John James escreveu: “O momento decisivo na educação é o ponto de partida”. Benjamim Palmer, comentando no texto “Pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e admoestação do Senhor” escreve: “A referência é claramente à família como uma escola de treinamento. Os filhos não nos são dados simplesmente para os desfrutarmos e cuidarmos, mas para serem educados – para serem educados para esta vida e para a vida por vir”. A moça puritana, a despeito de qualquer outra coisa que ela pudesse aprender, podia esperar muito de sua educação para se preparar para seus deveres futuros em casa.

A moça típica puritana nunca freqüentava a universidade. Ela seria vista com horror e até mesmo reprovada publicamente se ousasse publicar alguma coisa que ela mesma tivesse escrito. No século vinte, nossas idéias têm de certo modo se modificado. Todavia, eu poderia imaginar os puritanos, se eles vivessem hoje, nos fazendo uma pergunta importante. “Por que,”, eles ficariam a imaginar, “se a vasta maioria de suas moças terminam casando e criando filhos, vocês freqüentemente gastam esse tempo e dinheiro considerável treinando-as para aquilo que elas não usarão? E por que gastam comparativamente tão pouco na preparação para aquilo que elas, sendo vontade de Deus, muito provavelmente farão?”. Em outras palavras, por que encorajar química, cálculo, língua avançada, etc., etc., e não treiná-las mais extensivamente em como ser uma esposa bíblica ou uma mãe bíblica? “Por que”, eles perguntariam, “elas aprendem mais sobre computadores pessoais do que agulha e linha? Por que mais sobre fórmula quadrática do que as fórmulas que são calculadas para melhorar a saúde de seu esposo ou filhos?”. Eu não tenho certeza se poderia responder-lhes adequadamente. Talvez alguém possa responder que algumas esposas e mães são também, ao mesmo tempo, mulheres com carreira em tempo integral.

A puritana típica, com uma mistura de grave preocupação e suave espanto, perguntaria em resposta: como seria possível que cristãos, de todos os povos, ousassem revirar a ordenança da própria criação de Deus e plano para as mulheres de cabeça para baixo pedindo-lhes que sacrifiquem um tempo precioso e energia de seus chamados primários dados por Deus e desviá-las para aquilo que Deus dá normalmente para os homens. Depois de ensinar como mulheres não casadas deviam trabalhar para seu próprio sustento, John James comenta que “no casamento… o marido deve ganhar com o suor de seu rosto, não apenas seu próprio pão, mas o de sua família”.

Na sociedade puritana era bem-estabelecido que um dos deveres fundamentais do homem no casamento era prover sua esposa e família com roupas e alimento adequado. Para ele, pedir que sua esposa faça isso, exceto em circunstâncias que o privem de assim o fazer, era considerado paganismo. A justiça até mesmo reconhecia este sustento como parte essencial de dívida à mulher como virtude do casamento. É possível, amigos, que nós realmente precisemos considerar se de fato estamos prestando atenção suficiente, tanto em casa como na escola e nos círculos da igreja como um todo, ao tipo e quantidade de preparação que nossas moças recebem para aquele chamado que a maioria delas um dia ocuparão, aquele de esposa e mãe? Nossas escolas estão fazendo isso? Elas fazem isso o bastante? Como pais, nós estamos impingindo em nossas moças e senhoras uma alta consideração para com o abençoado lugar que Deus designou para a maioria das mulheres, o de esposa e mãe?

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Este post é parte da Palestra “A Mulher Puritana” proferida na “Conferência da Mulher – HNRC” no ano de 1998 pelo Pr. David Lipsy. Traduzido e publicado em português originalmente na ”Revista Os Puritanos” (Ano XII, nº 02:2004), re-publicado com permissão do Projeto Os Puritanos e do autor.

*O Rev. David Lipsy é pastor da Grace Reformed Christian Church, Arkansas, USA. É casado com Ruth desde 1981 e são abençoados com oito filhos e dois netos. Depois de participar de Rutgers College of Pharmacy por quatro anos, completou a licenciatura em Educação em Lakeland College e serviu 14 anos como professor da escola cristã em Wisconsin. Cursou o M. Div. no Puritan Reformed Theological Seminary (PRTS) em Grand Rapids, MI e completou programas de certificação introdutória e avançada em Aconselhamento Bíblico no “Aconselhamento Cristão e Fundação Educacional” de Glenside, PA. Ele está próximo de completar o Doutorado do programa no Ministério Aconselhamento Pastoral de Westminster Seminary, na Filadélfia. Atua no Conselho de Administração do PRTS bem como no Covenant College, na Zâmbia, na África. Periodicamente ensina em ambas as instituições. Pastoreou a Congregação Reformada Heritage of New Jersey 1999- 2008.