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Vivemos em tempos assustadores. O perigo parece estar escondido em todo lugar; parece não haver lugar seguro na terra. Medo e paranóia reinam na maioria das sociedades. Seria tolo negar que perigos e ameaças são reais, e nós não devemos – mesmo exercendo nossa fé – presumir que estamos imunes a eles. Ainda assim, mesmo em lugares perigosos nos quais devemos andar com olhos bem abertos, podemos e devemos aproveitar a paz e a confiança. O Deus que nos guardará para sempre nos guardará agora. Ele não pestaneja nem dorme, Ele é nosso refúgio e força, socorro bem presente na tribulação. Portanto, não devemos temer, mesmo que a terra se transforme e os montes se abalem (cf. Sl 46).

O salmo 91 desenvolve esse tema da segurança presente que os crentes têm no Senhor. Ele nos lembra que o poder do Senhor, que salva, protege e dá forças, pode ser experimentado pelos crentes em meio a todas as provas, pavores e tentações da vida. Ainda que anônimo, há boas tradições atribuindo os Salmos a Moisés, que, em Deuteronômio 33, testifica o Deus eterno ser nossa habitação e, por baixo de nós, estender seus braços eternos. Durante seu ministério, Moisés estava em constante perigo e aflição, mas Deus nunca o deixou sem Sua presença, provisão e proteção. Esse salmo é a expressão máxima da fé. É a versão poética da afirmação ousada de Paulo: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8:31). Viver no espírito desse salmo é viver sem medo em todas as circunstâncias da vida. Essa esperança e confiança não são meras especulações; são possibilidades reais conforme focamos no Senhor e não no nosso redor. O salmista nos coloca frente a frente com três maneiras de experimentarmos e aproveitarmos a segurança encontrada no Senhor.

Como Permanecer São num Mundo Louco

A pessoa do Senhor é a base para nossa sanidade num mundo que, de muitas formas, não faz o menor sentido. Quanto mais focamos nossa atenção no Senhor, maior será nossa confiança de que Ele está no controle e de que é digno de confiança como nosso Deus fiel. Nos primeiros dois versos, o salmista direciona sua atenção no Senhor com quatro títulos atribuídos a Ele que declaram verdades proposicionais significantes sobre Deus e o que Ele é para nós.

Primeiro, Ele é o Altíssimo; portanto, ele nos domina. A primeira ocorrência desse título conecta a afirmação do status exaltado de Deus sobre toda a criação com o fato de que Ele “possui os céus e a terra” (Gn 14:19). O domínio do Senhor sobre o mundo é o fato lógico que advém Dele ter criado o mundo. Ele domina o que ele criou, e Ele tem o direito de governar o que Ele domina. Ele domina o gado de mil montanhas, a riqueza de cada mina preciosa; a plenitude de toda a terra é Dele. Não há nada que esteja fora do alcance de Seu governo. Os eleitos de Deus confessam com alegria que o Senhor os fez e que, em razão dessa criação, eles pertencem a Deus (Sl 100:3). Mas os crentes também podem confessar que Deus os domina duplamente, tanto pela criação quanto pela redenção. Como conseqüência, eles são Sua posse estimada e objetos de Seu cuidado especial.

Pela fé, os crentes devem levar suas casas ao esconderijo do Altíssimo. O esconderijo refere-se a um lugar escondido, um refúgio. Que lugar de segurança! Viver com o Altíssimo Deus é estar fora do alcance daqueles que podem nos machucar. Certamente, estar “nas regiões celestiais em Cristo” espiritualmente (Ef 1:3) deve se traduzir em confiança temporal independente das circunstâncias.

Segundo, Ele é Onipotente; portanto, Ele nos sustenta. O título “Altíssimo” é Shaddai em hebraico, revelando o Senhor como Aquele que provê e nutre para Seu povo. Ele é o Mantenedor de cada promessa feita. Ele é suficiente para atender cada necessidade porque Ele tem a vontade, a firmeza e o poder para fazê-lo. Pela fé, os crentes deveriam habitar sob Sua sombra. O verbo “habitar”, em hebraico, literalmente significa “passar a noite”. No Novo Testamento, a sombra era um símbolo comum da relação anfitrião-hóspede. O anfitrião assumia a responsabilidade pelo completo bem-estar do seu hóspede, incluindo sua proteção e provisão. “Passar a noite” com o Senhor não significa apenas estar isolado do perigo, mas descansar sabendo que Deus assumiu toda a responsabilidade por nosso cuidado. Shaddai mantém Sua palavra e cumpre Suas obrigações.

Terceiro, Ele é o SENHOR; portanto, Ele nos salva. O título SENHOR, em versalete, é Jehovah em hebraico, o próprio nome do Deus mantenedor da aliança. Ele é o Deus da aliança, por isso os crentes deveriam confiar em Sua fé salvadora. O salmista expressa de forma significativa sua fé pessoal: “diz ao SENHOR: Meu refúgio e meu baluarte”. O refúgio refere-se a um abrigo, e o baluarte refere-se a uma fortaleza – lugares de segurança e livramento. Essa é uma verdade de Deus que devemos ter em mente enquanto vivemos; não se trata de uma teologia abstrata. O fato de Deus ser segurança e livramento significa pouco se não for uma verdade experimentada por nós. Precisamos provar que professamos a fé pelas nossas ações. Quando estiver em perigo, fuja para Ele.

Quarto, Ele é meu Deus; portanto, Ele é capaz. Deus é o termo geral para deidade e declara que Ele é o criador transcendente, infinitamente poderoso. Pela fé, o salmista diz ter um relacionamento pessoal com esse Deus transcendente e confessa sua confiança Nele. Confiar é encontrar segurança no objeto de confiança, e o salmista sabe que Deus é certo e confiável. Deus não o decepcionaria porque envolta dele estava os braços eternos do Deus onipresente e eterno.

Como Estar em Segurança num Mundo Perigoso

Os versos 3 a 13 detalham a providência de Deus para cumprir o fim desejado de Sua glória e do bem de Seu povo. O salmista enfatiza três pensamentos sobre a proteção de Deus.

Primeiro, Sua proteção engloba todas as coisas (vv. 3-4; 10-12). O verso 10 é o resumo, a afirmação que engloba tudo: “Nenhum mal te sucederá”. “Mal” refere-se a perigo, problema ou calamidade; não haverá nenhum ataque violento contra nós (veja a armadura completa de Efésios 6). Especificamente, Deus provê segurança contra ameaças externas (v. 3). O laço do passarinheiro (um ninho de captura com isca para atrair a presa) e a peste perniciosa referem-se a todos os perigos humanos ou espirituais que podem bombardear a alma. Por essa razão, devemos orar conforme Cristo instruiu: “Não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal”. Além disso, Deus provê segurança com Seu cuidado amoroso (v. 4). Que imagem bonita! O salmista compara a proteção de Deus para seu povo com pintinhos frágeis, sujeitos ao laço do passarinheiro, mas que encontram segurança debaixo das penas de sua mãe, a qual se expõe enquanto abriga seus filhinhos. Isaías explicou isso quando falou da presença do Senhor com o povo no deserto: “Em toda a angústia deles, foi ele angustiado, e o Anjo da sua presença os salvou; pelo seu amor e pela sua compaixão, ele os remiu, os tomou e os conduziu todos os dias da antiguidade” (Is 63:9). A imagem muda na segunda parte do verso 4, mas a verdade continua a mesma. A palavra infalível do Senhor é um escudo (aquele que cobre o corpo) e um broquel (o escudo redondo e móvel que afasta ataques bem-armados). Finalmente, o salmista instrui que Deus provê segurança por meio da operação de anjos, espíritos ministros agentes de Sua providência (vv. 11-12). Eles nos guardam como um pastor cuida de seu rebanho, como uma enfermaria levanta uma criança em seus braços. Eles são seres espirituais e estão operando, mesmo que não possamos vê-los.

Segundo, Sua proteção é pessoal (vv. 7-9). Os crentes são especiais para Deus, e Seu cuidado para com eles é diferenciado. Seu povo estará na margem como mero espectador da calamidade que cairá sobre os perversos. Problemas podem nos rodear, ameaçando nossa fé na boa providência de Deus, mas o fato maravilhoso é que, em última instância, ninguém que confia em Deus cairá. Seu propósito permanece, e nenhum crente jamais será sujeito ao julgamento do perverso.

Terceiro, Sua proteção requer uma resposta (vv. 5-6, 13). A resposta requerida é uma sem medo, ousada. Com uma linguagem contundente, o salmista ordena: “não te assustarás” (v. 5). Não temer em situações perigosas (“terror”, “seta”, “peste”, “mortandade”) é andar pela fé e não pela vista. Não ter medo das coisas perigosas que podem ser vistas requer a consciência de um poder maior que é invisível, mas infinitamente mais real. O temor de Deus dissipa o medo de qualquer outra coisa (v. 9) Por que deveríamos temer as coisas loucas deste mundo se acreditamos Naquele que domina e governa tudo isso? Esse tipo de fé gera ação e confiança para conquistar coisas que de outra forma nos causariam medo (“leão” e “áspide”). Descansar na providência é uma atitude ativa, não passiva.

Como Estar Satisfeito num Mundo Incerto

Nos versos 14 a 16, o Senhor interrompe o poeta inspirado e fala sobre Si mesmo, reforçando a garantia da salvação tanto no tempo presente quanto na eternidade. Saber que nada pode separar o crente do amor de Deus é a base para a satisfação.

Primeiro, Deus nos promete amor mútuo (v. 14). O amor é recíproco. Nós amamos Deus porque ele nos amou primeiro, e, conforme o amamos, Ele continua evidenciando Seu amor por nós. Apegar-se com amor tem a idéia de literalmente se colar a algo, referindo-se a uma união íntima com o objeto do amor. Conhecer o nome de Deus diz respeito a um relacionamento íntimo com Sua pessoa. A promessa de Deus é livrar e exaltar aqueles que o amam e o conhecem trazendo-os para perto de si. Como Tiago disse, “Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós outros” (Tg 4:8). Conforme somos levados para perto dEle, podemos viver em uma satisfação segura mesmo em meio à turbulência.

Segundo, Deus nos promete Sua presença (v. 15). Esse é o pensamento chave fundamental para o contentamento. Deus não promete que não haverá problemas, mas promete que estará com Seu povo em meio aos problemas. Esse é o conceito de “Emanuel” (Deus conosco) tão preciso para os crentes. Independente das circunstâncias, Deus está com Seu povo e o responde na aflição (veja Sl 34:6).

Terceiro, Deus nos promete satisfação (v. 16). Quando o povo de Deus descansa em Seu amor e presença, ele será contente em qualquer estado que esteja. Deus nunca desaponta, e Ele promete nos satisfazer com vida longa e salvação. Morrer velho ou jovem não é a questão, mas sim viver a quantidade de dias atribuídos a nós com satisfação e prontidão para partir dessa vida para a próxima. Temos satisfação e segurança quando percebemos que nossos dias estão em Suas mãos e que não há melhor lugar para estarmos.

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*Esse artigo foi originalmente publicado na revista The Banner of Sovereign Grace Truth (Edição online de Jan-Fev de 2017), traduzido com permissão do editor.

**Dr. Michael P. V. Barrett é um Decano e professor do Antigo Testamento no Puritan Reformed Theological Seminary, em Grand Rapids, Michigan, e um pastor ordenado na igreja Heritage Reformed.

*** Tradução : Rebeca Romero