Gênesis 2:18-25 descreve de uma forma gráfica a criação da primeira mulher realizada por Deus. Começa com uma declaração marcante do Criador: “Não é bom que o homem esteja só”. A negativa “não é bom” é enfática. Até então Deus fizera tudo bom; Ele pronunciou Sua bênção sobre toda Sua criação. Aqui, pela primeira vez, encontramos que algo está faltando. Sem companhia feminina e uma parceira para a reprodução, o homem não podia realizar totalmente sua humanidade. Dessa necessidade surge a criação da mulher que será companheira e esposa de Adão.

A criação da mulher em Gênesis 2 tem conseqüências de longo alcance. Ela estabelece a fundamentação para três áreas importantes no relacionamento de um esposo e uma esposa dentro do casamento:

  1. A mulher como uma auxiliadora idônea para o homem.
  2. A mulher feita por Deus como Seu trabalho manual especial.
  3. A mulher feita para ser uma com o homem.

“Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea. Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da terra todo o animal do campo, e toda a ave dos céus, os trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria; e tudo o que Adão chamou a toda a alma vivente, isso foi o seu nome. E Adão pôs os nomes a todo o gado, e às aves dos céus, e a todo o animal do campo; mas para o homem não se achava auxiliadora que lhe fosse idônea. Então, o SENHOR Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar. E da costela que o SENHOR Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão. E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada. Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne”. Gênesis 2:18-24

Com a ajuda de Deus, desejamos considerar os temas acima referidos:

  1. A mulher como uma auxiliadora idônea para o homem

A criação de Eva por Deus está colocada dentro do contexto da história da criação. A primeira parte desta história é a preparação do homem para a chegada da mulher. Adão foi feito à imagem de Deus. Ele foi preenchido com a glória dada inicialmente por Deus. E, contudo, Deus mostrou para Adão que, em toda a ordem criada, com toda sua variedade, não havia nenhuma criatura adequada para ser sua companheira.

Deus escolheu um modo fascinante para ensinar esta lição a Adão. Deus ficou lado a lado com Adão enquanto uma grande variedade de animas passava diante de Adão. Enquanto eles passavam – da anta à zebra – Adão estudava cada animal e depois lhes dava nomes. Não foi uma nomeação arbitrária. Adão observou a natureza e o relacionamento de cada animal. No fundo de sua mente ele deve ter imaginado se algum poderia ser apropriado para ser sua companheira. Contudo, nenhum havia.

Como diz Gênesis 2:20: “Para o homem, todavia, não se achava uma auxiliadora idônea”. Depois que pôs nomes em todos os animais, Adão verificou que nenhum havia sido criado à imagem de Deus. Todos tinham um corpo e mesmo, em certo sentido, uma personalidade. Nenhum, porém, tinha uma alma. Adão não poderia ter qualquer comunhão com qualquer um deles a nível espiritual. Não importa quão bom fosse o relacionamento de Adão com um animal, algo ficava faltando.

Deixe-me ilustrar.Talvez você tenha um excelente relacionamento com o seu cão. Tem com o animal um grande companheirismo. Você compartilha com ele, mostra-lhe afeição. Mas, todo seu companheirismo tem que ser a nível de um cão porque um cão pode comunicar-se apenas nesse nível. Sem dúvida Adão imaginava que se fosse para ter uma companhia, o companheiro deveria ser especialmente criado por Deus à Sua imagem, exatamente como ele próprio, Adão, havia sido.

Assim, Adão estava preparado para uma mulher e a mulher devia agora ser preparada para ele. Ela deveria ser criada como sua réplica perfeita no mundo. Homem e mulher foram feitos de modo diferente e, contudo, pelo ato criativo de Deus, eles deveriam ser mais semelhantes do que qualquer outra coisa na criação.

Eva foi criada como uma mulher perfeita. Que mulher admirável ela deve ter sido! Ao comentar sobre a criação do homem, Lutero disse que Adão deve ter sido um espécime extraordinário. Pensava ele que Adão deve ter superado os animais até mesmo nos detalhes em que eles eram insuperáveis; ele devia ter uma força maior que a de um leão, uma visão mais aguçada que a da águia. Se isso era verdade para Adão, que podemos dizer de Eva? Lutero pensava que Eva teria sido tão forte, ágil, perspicaz e brilhante quanto Adão. E mais, disse Lutero, ela deve tê-lo superado em beleza e graça.

Isso podemos afirmar com certeza: Eva também foi criada com a glória primeira de Deus. A despeito da excelência física, mental e moral de Eva, o verso 18 diz ela foi feita “para” o homem, “uma auxiliadora idônea [ou adequada] para ele”. Nesta condição perfeita pré-queda, toda mulher tem um indício para sua posição única, dada por Deus, no casamento. Ela deve ser uma “ajudadora idônea” para seu marido.

Gênesis 2:18 enfurece grandemente as feministas radicais como também, algumas vezes, é motivo de preocupação, senão de ansiedade, para outras mulheres. Falar de mulher sendo feita para o homem, ou da sua necessidade de ser obediente ao homem no casamento, é anátema. Muitas mulheres — e mesmo homens — acham tais idéias ultrapassadas, injustas e preconceituosas contra as mulheres. Nossa natureza humana decaída nunca se agrada de renunciar a sua desejada independência. O homem não quer ser sujeito a Deus e a mulher não quer ser sujeita ao homem.

O Rev. J. Fraanje escreveu uma vez que “Independência” — hoje talvez devêssemos dizer ‘autonomia’ — é a palavra escrita do lado de dentro do portão que leva para fora do Paraíso”. Necessitamos de um pensamento claro nesta discussão hoje. Nós precisamos compreender, primeiro que tudo, que a palavra ajudadora não é um termo depreciativo. Deus nos criou para servi-lO e para ajudar o nosso próximo. É uma honra para uma mulher ajudar seu esposo, pois ajuda é uma palavra usada freqüentemente, com referência ao próprio Deus nos Salmos (10:14; 22:11; 28:7; 46:1; 54:4; 72:12; 86:17; 119:173,175; 121:1-2 NIV).

Se Deus não está envergonhado de ser uma ajuda para pecadores decaídos, porque deveríamos nós olhar com desdém para Eva por ser a “ajudadora” do seu não-decaído esposo? Ser uma ajudadora idônea não é uma posição degradante. A forma verbal desta palavra significa basicamente auxiliar ou suprir aquilo de que um indivíduo não pode prover-se por si só. A Septuaginta a traduz com uma palavra que o Novo Testamento usa com o sentido de “médico” (Mateus 15:25). Ela transmite a idéia de socorrer alguém aflito. Certamente uma esposa piedosa se deleita em satisfazer as necessidades do seu esposo.

Idônea vem da palavra que em hebraico significa “oposto”. Literalmente é “de acordo com o oposto dele”, significando que uma mulher complementará e corresponderá ao seu marido. Ela deve ser igual ao homem e ser adequada para ele. De que maneira ela deve ser igual?

Devemos pegar esta palavra igualdade que tanto ouvimos hoje em dia. Homens e mulheres são realmente iguais? Sim e não. Há pontos importantes nos quais homens e mulheres são iguais.

  • Ambos foram criados igualmente à imagem de Deus. Isto é que os fez companheiros idôneos um para o outro. Isto explica porque os animais não são companheiros adequados para nós.
  • Eles foram ambos, colocados sob o comando moral de Deus e, dessa maneira, lhes foram dadas responsabilidades morais.
  • Ambos foram culpados de desobedecer ao comando de Deus e foram, por isso, julgados por Deus por sua desobediência.
  • Paulo nos diz em Gálatas 3:28 que ambos, homens e mulheres, são igualmente objeto da redenção graciosa de Deus em Cristo Jesus.
  • Como esposo e esposa, um homem e uma mulher são igualmente conclamados a deixar pai e mãe para unir-se um ao outro e para amar um ao outro, como uma só carne.

Contudo, em outro sentido, homem e mulher não foram criados iguais. Porque a mulher foi criada para o homem, eles não foram criados iguais em autoridade. Deus traçou uma estrutura de autoridade para os homens, diferente das mulheres. No entanto, a desigualdade desta estrutura de autoridade não quer dizer que um marido tem vantagem sobre sua esposa ou que uma posição é melhor que outra. Nem significa que uma posição é mais alta do que a outra.

Nós temos que expurgar de nossas mentes esse modo de pensar que é muito comum no mundo dos negócios dos nossos dias. Quanto mais alto estivermos na escada dos negócios da coletividade, muitos pensam, em melhores condições estaremos. Não é isto que Deus tem mente para o homem e a mulher. Na estrutura de autoridade dada por Deus, o marido e sua esposa submetem-se mutuamente a Cristo (Efésios 5:21), então, sob Cristo, submetem-se um ao outro, preenchendo as necessidades mútuas.

Já no paraíso há glória e humildade tanto no homem quanto na mulher. A glória do homem é que ele é o cabeça; sua humildade é que ele não está completo sem a mulher. A glória da mulher é que só ela pode completar o homem; sua humildade é que ela é feita do homem. Após a queda estes papéis complementares surgem até mais fortes, especialmente para esposos e esposas que desejam modelar seu casamento em Cristo de acordo com as diretrizes de Deus.

Paulo nos elucida sobre estes papéis em Efésios 5. O esposo deve amar sua esposa como Cristo ama a igreja:

  • De modo absoluto (Ele deu-se a Si mesmo, verso 25b),
  • De modo real (Cristo concebeu que a igreja em si mesma, necessitava de purificação, verso 26),
  • De modo intencional (i.e., para fazer a igreja santa e sem mácula (verso 27) e,
  • De modo sacrificial (i.e., para cuidar da noiva como quem cuida do seu próprio corpo, versos 28-29).

Por seu lado, a esposa deve mostrar ao seu esposo reverência e submissão, Paulo diz (versos 22,33). Em outro lugar Paulo nos dá quatro razões por que:

  • Porque a mulher é feita do homem (1 Coríntios 11:3,8).2),
  • Porque a mulher é feita para o homem (1 Coríntios 11:9).3),
  • Porque o homem foi criado primeiro (1 Timóteo 2:12-13) e4),
  • Porque o pecado entrou no mundo pela mulher (1 Timóteo 2:14).

Assim como o homem deve mostrar liderança amorosa, também a mulher deve mostrar submissão amorosa.

A submissão não é degradação. Ela é encontrada mesmo entre pessoas da Divindade; de fato, o casamento é um paralelo da Trindade divina, a este respeito. Os teólogos falam da Trindade essencial, a qual a Confissão de Westminster define como “três pessoas na Divindade, o mesmo em substância, iguais em poder e glória”. Eles também falam da Trindade econômica, na qual os vários membros da Divindade deliberada e voluntariamente submetem-se um ao outro na obra da redenção. O Filho se submete ao Pai como Mediador e Servo. O Espírito Santo se submete ao Pai e ao Filho em Sua obra salvífica. Paulo aponta para o paralelismo entre tais submissões e a submissão marital quando diz: “O cabeça de todo homem é Cristo, e o cabeça da mulher é o homem e o cabeça de Cristo é Deus” (1 Coríntios 11:3; ver também Efésios 5:22-24).

Algumas feministas respondem a tais textos argumentando que a submissão faz parte da maldição agora anulada pela expiação de Cristo. Seus argumentos, contudo, não consideram a submissão entre as pessoas divinas, nem o fato de que a relação subordinada da esposa para com o esposo, é baseada primeiro em Gênesis 2, antes da queda e da maldição.

A submissão dentro do casamento tem paralelo também com a igreja que é a família de Deus. Embora as mulheres possam e devam exercer numerosos papéis nos ministérios da igreja, Paulo deixa claro que o princípio da autoridade impede-as de serem oficiais na igreja. Além disso, esta submissão no casamento e na igreja deve ser voluntária.

Resumindo, se uma mulher não pode ser uma ajudadora submissa, amorosa para o homem que a pede em casamento, não deveria desposá-lo e muito menos um homem deveria propor casamento a uma mulher a quem ele não pretende mostrar uma autoridade sacrificial, amorosa.

Continua…

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Este post é um artigo de Dr. Joel Beeke traduzido e publicado em português originalmente na “Revista Os Puritanos” (Ano XII, nº 02:2004), re-publicado com permissão do Projeto Os Puritanos e do autor.

*Dr. Joel Beeke é presidente e professor de teologia sistemática no Puritan Reformed Theological Seminary (EUA). É pastor da Heritage Netherlands Reformed Congregation, editor da Banner of Sovereign Grace Truth, diretor editorial de Reformation Heritage Books, presidente da Inheritance. Foi co-autor, escreveu ou editou mais de 50 livros, dentre os quais, “Vivendo para a Glória de Deus” e “Vencendo o Mundo”. Obteve seu Ph.D. em Teologia da Reforma e Pós-reforma no Westminster Theological Seminary. Ele é convidado freqüentemente para lecionar em seminários e pregar em conferências ao redor do mundo. Ele e sua esposa, Mary, foram abençoados com três filhos: Calvin, Esther e Lydia.